domingo, 7 de agosto de 2016

Uma cultura com prazo de validade vencida

Eu devia ter uns doze/treze anos. Estava em férias procurando algo para ler quando encontrei os romances com nome de Júlia e Sabrina. Parte das histórias eram água com açúcar, homens lindos e prepotentes que se faziam de difícil até se declararem na penúltima página para a mocinha linda e ingênua. Mas haviam outros que me faziam ter vontade de reescrever a história e sacudir as mulheres ali descritas. Não raro, as cenas eram de estupro. Elas eram forçadas, machucadas, mas no capítulo seguinte choravam pelo afastamento do chamado homem amado. A humilhação era denominada um grande momento de paixão, mas nem a péssima tradução conseguia convencer a leitora mais atenta.

Já na fase dos trinta, O Caçador de Pipas me levou as lágrimas em uma das cenas mais dolorosas do livro. A vítima não era uma mulher, mas um menino. Novamente o uso da violência para subjugar, humilhar e demonstrar uma nojenta forma de poder.

Na vida real, lá na década de 90, a revista Capricho fez uma reportagem sobre abuso de parentes, dois relatos, dois tios, uma assediada e outra estuprada. Uma análise do comportamento das duas, o que fizeram de errado? Como se expuseram a esta situação? 

Mais próximo, histórias de crianças que eram levadas pelos pais ou familiares a clínicas com estranhos acidentes que machucavam exatamente suas áreas íntimas. 

Olhos abertos, sempre ligada. Cedo compreendi que o perigo não estava só nos becos escuros. Uma conhecida estuprada pelo próprio namorado. Não houve denúncia. Não houve polícia. Mas houve julgamento em relação ao seu trauma quando começou um novo relacionamento e transou seis meses depois.

2016, nas redes sociais um debate um tanto atrasado. De um lado inicia-se um movimento importante: a luta pelo fim da cultura do estupro. Do outro, pessoas procurando justificativas para transformar a vítima em réu.

Embora nada, absolutamente nada, sirva de base para tornar a ação mais humilhante que um ser humano pode passar que é a invasão da sua intimidade, uma marca que não sai com água, sabão ou plástica, o pensamento machista da sociedade consegue se pronunciar.

Um pensamento encontrado em todas as classes, idades e gêneros. A culpa está na roupa, na dança, no gesto, no sorriso, no olhar, na origem, na fragilidade, no diferente. Mas nunca no agressor. A primeira pergunta sempre é como ela chegou a esta situação? Sim, eu também já fiz essa pergunta. Sim, já transformei vítimas em réus. Sim, já achei que era uma questão de postura. Hoje, eu sei que nada impede este tipo de monstro. E não, não existe justificativa nem ação preventiva para isso. Não, não sou uma vítima, mas conforme fui saindo do meu mundo, fui revendo velhos valores e com a maternidade reavaliando ações. 

Bandido não gosta de estuprador. Mas quantos vão para a cadeia? Quanto tempo ficam lá? E quantos são realmente denominados estupradores? Que suporte a vítima encontra? Na maioria dos casos não existe justiça, apenas medo e sombra. E claro, as velhas perguntas que eu já ouvi e fiz, e que muitos repetem agora.

A verdade é que isto está nas mãos de cada pai e mãe. Na forma como educam os seus filhos. O exemplo que irão dar. Crianças e jovens seguem muito mais ações do que explanações. E também está em nossas mãos em rever os conceitos, muda-los e assim amadurecermos. 

Afinal, mudar um comportamento que acompanha a humanidade desde que o mundo é mundo necessita de uma evolução geral. E como já abandonamos as cavernas, não estamos um tanto atrasados quanto a isso?

Então que tal nos respeitarmos e respeitarmos o próximo? Não será sempre o contrário de sim, e não um sinônimo, fica a dica.

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