domingo, 18 de julho de 2010

Capítulo Três

São Paulo, Morumbi

– Vagabunda. Pilantra. Eu vou dar a volta por cima e você virá de joelhos, implorando por uma migalha de carinho.

João Felipe Galdos urrava na suíte que ocupava na mansão, produzindo ecos nas peças próximas. Revirando as gavetas, cofres e armários, constatava o inevitável: sua esposa e única fonte de renda, havia ido embora.

– O que ela esperava? Feia, gorda, velha... ninguém mais vai ter coragem de colocar uma aliança naquela mão ressecada . Muito menos trepar com ela. O que custava me deixar dar umazinhas com as mocinhas do clube? Maldita. – exclamava enquanto se dirigia ao outro - E agora? Quem vai sustentar essa casa? Não posso perder o único bem da minha família.

Como se levasse um soco, João se atirou para trás, caindo de costas na cama. “Estou cansado, estou muito cansado” pensou enquanto procurava o travesseiro mais próximo “amanhã... amanhã tudo será resolvido”.

O sol estava alto quando acordou. Pensou em pegar um robe, mas lembrou-se que estava de roupa. Tirou a camisa de seda amassada e a calça social. Entrou no banheiro e tomou um jato de água fria. Com a cabeça jogada para trás, deixou os olhos fechados enquanto a mente começava a trabalhar. Sentia-se como se tivesse bebido muito. Uma enxaqueca apertava-lhe os olhos e as pernas cambaleavam. Abriu a porta do Box, pegou uma toalha e procurou uma aspirina no armário do banheiro. Encarou-se no espelho. Para um homem perto dos quarenta estava bem, mas não o suficiente para competir com os jovens modelos.

Necessitando do colo da mãe, caminhou até a suíte principal da casa e deitou-se na grande cama. Manoela Galdos havia sido uma grande mulher, talvez por ser tão bela, inteligente e forte, morrera cedo, aos trinta e cinco anos, vítima de uma febre misteriosa. Após a morte da mãe, seu pai, um velho de sessenta e cinco, começou a namorar uma jovem de vinte e nela desperdiçou todo o seu dinheiro. Quando ele morreu, só havia restado a João a beleza dos traços aristocráticos herdados do pai e a mansão.

Mas foi a combinação do sobrenome Galdos, tradicional na sociedade paulista, com o corpo jovem e esbelto, somado aos olhos azuis e a mansão do Morumbi que atraíram a emergente Nádia Dias. Uma mulher de quarenta e cinco anos, gorda, dona de dez cachorros e de uma das maiores redes de hotéis do Brasil. Dinheiro fácil, se ele usasse a imaginação. E por isso, aos vinte e oito anos se casou com a mulher que lhe garantiria o sustento.

Pena que o ditado estava certo, tudo que é bom dura pouco, e num descuido, sua foto agarrado a jovem professora do clube que freqüentava foi parar na imprensa. Nádia havia engolido suas traições durante os dez anos, mas não poderia se sujeitar à humilhação de sua infidelidade ser pública. E lá se fora a sua galinha dos ovos de ouro.

Não tinha amigos a procurar, e mesmo que tivesse, nenhum o entenderia. Somente a sua mãe. Ela sim, que fizera a mesma coisa a trinta e oito anos atrás. Aos quinze anos ficará grávida de Julios Galdos, um homem de quarenta e cinco anos, o solteirão mais desejado da sociedade paulistana, e garantirá um sobrenome e a sua própria herança.

O sobrenome de agora nada adiantava. A casa estava vazia. Os empregados haviam ido embora com Nádia. E ele simplesmente não sabia o que fazer com a mansão.

– Madame Nádia decidiu ser gentil – disse o velho advogado - e não vai lhe exigir metade da mansão dos Galdos.

– Nem poderia – resmungou João – existe um documento dizendo que ela está fora da partilha, só um herdeiro meu teria direito.

– Pois bem – continuou o advogado – Madame lhe dará uma pensão.

– Pensão? – arqueou as sobrancelhas – Qual é o jogo Solano? Vamos lá, meu Velho. Diga.

– Não tem jogo nenhum Galdos. É apenas um pagamento. Graças ao seu sobrenome , ela se firmou na sociedade. Com isso, ela lhe dará uma pensão, não muito grande, durante dez anos. O valor não é o suficiente para sustentar essa casa.

– A vingança dela é a venda da mansão Galdos?
– Não. Ela não está se vingando – Solano encarou João de forma paternal – Assim como eu, Madame tem pena do senhor. Olhe a sua vida. Você não tem perspectiva nenhuma. – O advogado se levantou e foi até a janela mais próxima, onde a vista dava para um jardim descuidado. – Pense como uma chance de dar algum sentido na sua vida. De ser um homem de verdade e tomar as rédeas do seu destino.

– Não sabia que era psicólogo, Solano.
– Não seja irônico, João. Fui amigo dos seus pais e vi a grande bobagem que fizeram contigo. E não creio que você seja merecedor da sorte de ter encontrado alguém como Nádia, que merecia muito mais respeito da sua parte.

– Mas agora você pode dar esse respeito a ela, Solano – Enquanto João sorria o rosto do velho foi tomado de uma grande vermelhidão – sei da sua paixão por Nádia. Mas ela queria um sobrenome que lhe abrisse as portas da sociedade. Agora você poderá conquista-la e ambos serão felizes para sempre.
– Não é hora para brincadeiras, João. De qualquer forma, você é quem sabe. Daqui a uma semana passe em meu escritório para assinar os papéis.


Duas semanas depois, João recebia a notícia que a mansão havia sido comprada. Sabia que era Nádia, mas não podia fazer nada. Não tinha dinheiro para manter a mansão, sua pensão era suficiente apenas para alugar um flat, não para manter uma casa de dez quartos. E se aplicasse o dinheiro da mansão, talvez não precisasse se preocupar em trabalhar. Afinal, não sabia fazer nada, nunca teve necessidade de trabalhar ou fazer alguma faculdade.
Naquela tarde iria receber alguns representantes de lojas, pois nisso iria surpreender Nádia. Vendera a casa para ela, mas não os móveis. Havia avisado a imobiliária que, com exceção dos móveis da cozinha, alguns armários de banheiro e closets, o restante seria vendido e não seria entregue para o novo morador da casa. Só que ele conhecia Nádia e sabia que ela havia comprado de olhos fechados, sem perguntar absolutamente nada.

Os dias passaram rápidos, João encaixotava peças pequenas enquanto as grandes eram levadas. Até chegar o dia D, o dia de abrir o quarto de sua mãe e vender o que estava lá. Foi na venda das roupas que achou o cofre, escondido entre os milhares de sapato. Após a venda e retirada dos objetos, ficou naquele espaço vazio olhando para a pequena porta metálica. Sabia a senha. Sua mãe havia repetido aqueles números incontáveis vezes no seu leito de morte. Na época não havia entendido o que eram, finalmente sabia sua serventia.

Com cuidado, foi informando a combinação, após o último número, ele ouviu o click e a porta se abriu. Vários livros, diários, se corrigiu, apareceram. E uma pedra em formato triangular, que João lembrava de ter visto sobre a testa da mãe logo no início da doença. Nunca a esquecera pelo reflexo ora amarelo ora rosa que ela apresentava.

Guardou tudo com cuidado. No outro dia uma caminhonete viria buscar suas coisas e leva-lo para o seu novo lar. Entregaria as chaves do lugar em que havia nascido. Sua mãe deveria estar se revirando no tumulo por causa disso. Sem solução, desceu as escadas e admirou tudo a sua volta, como se fosse a primeira vez. Colocou a caixa, com os pertences de sua mãe, no canto perto da porta, junto com outras coisas, e com a pedra na mão, foi até a janela.

Lembrou da morte de sua avó materna. Na verdade, foi naquele dia que vira aquela pedra pela primeira vez. Deveria ter uns cinco anos e ela estava nas mãos de sua mãe, que acompanhava os reflexos amarelos e rosas através da luz da janela, quando sua avó entrou na sala e deu um grito. Sem nenhuma explicação, arrancou a pedra da mão de sua mãe perguntou gritando onde diabos havia arrumado aquilo. Pela primeira e única vez, virá a mãe acuada, mas não lembrava da resposta, apenas que sua avó saiu furiosa para a rua, de onde nunca mais voltou. Ela tropeçou nos degraus da escada e quebrou o pescoço. Sua mãe, antes de chamar o médico, recolheu a pedra e guardou no bolso lateral do vestido.O enterro foi triste e o primeiro de muitos, já que seus avós paternos seguiram o mesmo destino três anos depois. Sua família havia sido reduzida a três pessoas e agora era apenas uma: ele.

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