domingo, 19 de setembro de 2010

Capítulo Sete

São Paulo

João colocou os diários de lado. Nunca lhe passara pela cabeça que não era o filho sonhado por sua mãe. Até ela o julgava um mimado. Seria ele realmente um nada? Um aproveitador barato de mulheres de quinta categoria? Estava sendo injusto. Nádia nunca havia sido uma mulher de quinta, e se fosse honesto, confessaria pra si mesmo que ela casou por amor, por acreditar nas palavras dele, o resto veio pela falta de respeito.

Levantou da poltrona e olhou para o envelope fechado. Ali estava a chave para encontrar o resto da sua família. Mas queria isso? E se eles quisessem parte do dinheiro da mansão?

“Não. Se eles soubessem já teriam vindo atrás há muito tempo.” Foi até o bar e se serviu de um copo de uísque. Resolveu não procurar ninguém. Ficaria com as pessoas de sua classe. Sairia. Iria ao teatro. Freqüentaria a academia e aceitaria todos os convites para as festas. Olhou-se no espelho, era um homem alto, quase um metro e noventa de altura. Seus cabelos negros contrastavam com a pele extremamente branca e com os olhos muito azuis. O rosto quadrado e aristocrático lhe dava uma certa beleza. Assim como o corpo, embora esse não estivesse tão atlético.

Colocou os diários de sua mãe em uma caixa e guardou em um armário próximo. Pegou o envelope ainda fechado, o último enviado pelo detetive quando sua mãe já estava morta, abriu a primeira gaveta da mesa de escritório e ali o deixou repousando.

João chegou bufando em casa. Havia levantado cedo e ido a academia. Sua inscrição havia sido cancelada: não era mais bem vindo. Acabou indo para uma de classe média, onde ninguém sabia quem ele era. Mas não era a mesma coisa. No seu restaurante preferido, apesar de haver mesas vazias, lhe informaram que não havia lugares disponíveis. Tentou vários outros e obteve a mesma resposta. Terminou sentado em uma calçada comendo um cachorro-quente.

Passou a tarde vagando, ao entardecer, voltou ao flat e se arrumou, foi ao teatro e as pessoas, antes amigas, o ignoraram. Estava sozinho. Por culpa de Nádia. Nem ele pensaria em uma vingança tão perfeita.

“Não nasci para ser sozinho” pensava enquanto abria a gaveta e tirava o envelope. Rasgando o papel pela lateral, tirou de lá duas folhas. Na primeira, referências a Silvio. Na segunda, ao filho ilegítimo.

O irmão falecido, Silvio Ribas, tinha deixado família em Porto Alegre. Já o filho ilegítimo se chamava Josias e não tinha sobrenome. Morava em um morro no Rio de Janeiro.

“Pobre” pensou João “não preciso de um pobre, mesmo sendo o meu tio”. Tio Sílvio estava morto, sua filha Joana, havia casado com um pedreiro e tinha uma filha pequena. “Outro pobre” pensou João.

Mas a sensação de solidão o invadia. Seus amigos o haviam abandonado. Os convites para festas sumiram. Seu sobrenome não significava mais nada. Não na pessoa dele. Nádia continuava saindo em todas as colunas sociais dos jornais paulistas, sendo consolada por toda a sociedade paulista “que deve chamá-la de cornuda pelas costas e na sua frente dizer que agora ela está melhor”.

Naquela noite, ao se aproximar de uma jovem senhora, uma antiga conhecida, essa se afastou dizendo não precisar de parasitas. Com isso, suas esperanças de dar um novo golpe do baú se esvaíram.

Foi até o computador e conectou-se a internet. Acessou um site de mapas e informou o endereço mais próximo, o endereço do morro. Não era tão distante. Imprimiu as informações, tomou mais um copo de uísque e decidiu pensar sobre o assunto no outro dia. Desligou tudo e foi pra cama.

Havia esquecido de fechar as janelas e assim, as sete da manhã, o sol invadia o quarto. João abriu os olhos com a claridade. Olhou para a mesa onde estava o relógio e encontrou a estranha pedra em forma de triângulo. Não se lembrava de tê-la colocado lá. Aliás, havia esquecido dela.

Levantou, colocou um abrigo e foi para a academia. Na esteira ficou pensando na pedra, então lembrou que havia aberto a caixa com os diários na cama. Como ela estava junto, ele mesmo deveria ter colocado na mesinha, separando-a dos diários. Pois acabou levando a caixa para a sala, para ler de forma mais confortável na poltrona.

Perto da academia havia um restaurante a kilo, entrou lá e se serviu. Uma das meninas, que havia se exercitado no mesmo período que ele, lhe sorriu. Pensou em convida-la para sentar em sua mesa, mas não estava com cabeça para uma transa. E pela qualidade das roupas que ela vestia, era a única coisa para que servia. Terminou de comer e voltou para o flat.

Sentou na cadeira em frente à mesa do computador e olhou os papéis impressos. “Por que não?” se interrogou. Foi ao quarto e arrumou algumas roupas em uma pequena mochila, pretendia voltar em dois dias, encontrando ou não o tal Josias. Por impulso, pegou a pedra e a guardou também.

Desceu até o subsolo e colocou tudo no banco traseiro do carro esporte preto. Com prazer, sentou-se ao volante do carro e girou a chave, ouviu o barulho do motor, ligou o som e o jazz tomou conta do pequeno ambiente. Ao sair da garagem teve que frear bruscamente para não atropelar um gato avermelhado, que ainda o encarou com seus enormes olhos verdes. As pessoas o olharam de forma esquisita.

“A humanidade está realmente cruel” pensou João “estranham um motorista parar para não atropelar um gato”. Seguiu em frente e deparou-se com o grande tráfego de São Paulo e logo ficou parado.

Já era noite quando conseguiu andar com desenvoltura na Via Dutra. Estava em um ponto em que podia enxergar o Aeroporto Internacional de São Paulo, o Cumbica. Em nenhum momento lhe passou pela cabeça: ir de avião. Sentia prazer em dirigir e achava que essa viagem serviria para colocar suas idéias no lugar. Como o que iria fazer de sua vida dali por diante. E principalmente, algo em que nunca havia pensado: no que poderia trabalhar.

A viagem estava iniciando realmente agora, e João podia prever um trajeto tranqüilo, não havia movimento do lado contrário e o caminhão que o seguia não estava tão próximo. Foi quando olhou para frente e viu o menino no meio da pista que estava.

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