Eu era guri, devia ter uns
10 ou 12 anos, e trabalhava no bar do meu pai. Como todo domingo, cedo eu
limpava as mesas e me preparava para os torcedores do time local. Não havia
preocupação, pois todos eram amigos e as brigas eram raras.
Quando a lua já realizava o serviço das lâmpadas queimadas que cercavam a
nossa rua, Seu Oliveira, um homem robusto que trabalhava na roça, cansado de
esperar a cerveja gelada e discutir a falha do zagueiro, resolveu testar a
coragem do jovem e magro Josué, carregador do único mercado da cidade.
Pensei em falar alguma coisa quando ambos pegaram na mão esquerda uma
faca, mas meu pai me fez um sinal para ficar quieto. Seu lema era servir e não
interferir no comportamento dos clientes.
Como uma onda forte, eles
se dirigiram para o meio da rua carregando os demais homens com eles. Subi no
balcão, ouvi eles se provocarem, e dançarem no ritmo do encontro das lâminas.
Os movimentos eram lentos e cuidadosos. Ambos sorriam. Ensaiavam investidas,
mas nunca terminavam o gesto. Até ela chegar.
Ela era a mulher do Seu Oliveira, quarenta anos mais jovem, cabelos
longos e corpo bem feito. Com exceção do Seu Oliveira, até aquela noite, todos
sabiam que as entregas não eram só de mercadorias. Mas o sorriso malicioso da
jovem e o olhar apaixonado de Josué fizeram as narinas de Seu Oliveira
tremerem.
Num gesto rápido a faca cortou a manga direita da camisa de Josué,
desviando-se a tempo de um ferimento mais sério, esse revidou, deixando uma
marca na coxa direita de Seu Oliveira. O ritmo tornou-se frenético, não havia
mais sorrisos, a cada nova gota a faca pedia mais sangue para lavar a honra, a
cada nova gota, exibia-se como uma solução para ter a jovem livremente em sua
cama.
Aquela loucura durou quinze minutos, contados por mim, que olhava para
velho relógio pendurado na parede de madeira. Quando me cansei de ficar apoiado
nos joelhos, Seu Oliveira cambaleou, seus sessenta anos não lhe permitiam
acompanhar os vinte anos de seu oponente, e Josué aproveitou para lhe atingir a
barriga. Mas antes que tirasse a faca, Seu Oliveira arregalou os olhos e
conseguiu lhe cortar a garganta.
Os corpos desabaram na rua. O silêncio tornou-se palpável. Alguém abriu a
janela e gritou. Desviei os olhos dos corpos e vi a jovem bem tranqüila,
abanando para alguém.
A polícia foi chamada, o bar de meu pai fechado e a jovem viúva casou com
o dono do mercado. Sem condição de ganharmos dinheiro, nos mudamos para a
capital. Mas aquela cena estava marcada em minha mente como se tivesse sido a
ferro.
Estudei e me tornei médico. Evitei as brigas, pois sabia que nenhuma ação
provava a coragem de um homem, assim como mulher alguma valia a minha vida.
Então porque agora, aos quarenta anos, me encontro com uma faca entre
minhas costelas, enquanto abro a minha mão e o barulho de uma outra, que eu
mesmo segurava, ecoa pelo quarto, ao mesmo tempo em que meu sangue tinge os
lençóis da minha cama onde meia hora antes minha esposa se esfregava com o
nosso jovem e agora assustado jardineiro?
Que perfeito!
ResponderExcluirFoi você que escreveu?
Ficou muito bom!
Oi Felix,
ResponderExcluirSim, o conto é meu. Obrigada ;)