segunda-feira, 28 de maio de 2012

Redoma de Vidro

Ela estava sentada, tomando um chá e observando o movimento na rua. Sentia-se protegida pelo vidro com letreiros coloridos. Não que tivesse medo das pessoas, apenas não gostava de ficar próxima a elas. Sempre se sentiu assim, desde pequena. Procurava lugares seguros, onde enxergava a todos, mas nem todos a enxergavam. Era uma maneira de ter o controle da situação.

Do lado contrário, um menino encontrava-se sentado na escadaria de um prédio antigo. Seu pai havia lhe dito para esperar cinco minutos. Já fazia mais de uma hora. Olhou em direção ao banco, um prédio com paredes cinza e muitas janelas, que ficava ao lado de um café. Ninguém entrava, ninguém saia. As cortinas haviam sido fechadas. O que havia acontecido? Sabia apenas que o pai precisava de dinheiro. Sua mãe estava muito doente, havia sido internada há alguns meses em um hospital público. Uma semana atrás o homem de roupa branca havia dito: eles não tinham como ajudá-la.

Fazendo um sinal para o garçom, esperou a xícara ser reabastecida e pediu alguns petiscos para comer. Era o seu último dia ali. Amanhã estaria em sua casa, e poderia escrever sua reportagem em paz. Conseguia imaginar a felicidade dos seus gatos quando chegassem. O prazer de colocar as pantufas e comer um bolo de chocolate. O garçom trouxe o prato e ela escolheu um dos salgados. Quando o colocou na boca, sentiu-se vigiada.

Agora o menino estava com fome. Primeiro, contou os poucos carros que passavam, depois, começou a contar as pessoas. Foi quando viu a moça dentro do café, comendo algo que fez seu estômago reclamar. Ela lembrava a sua mãe: os cabelos castanhos amarrados em um rabo de cavalo, os olhos escondidos pela armação do óculos e o rosto muito pálido, como que esculpido em mármore.

Ela procurou pelos olhos que a perseguiam e encontrou o menino no outro lado da rua. Ele lhe deu um leve sorriso e logo em seguida voltou sua atenção para outro lugar. Analisando-o, pensou que ele não parecia ser um menino de rua. Mas era tão pequeno, deveria ter no máximo seis anos.

- Está tudo ao seu gosto, senhorita? – um homem perguntou

- Sim, está tudo delicioso – apontando para as escadarias – Aquele menino, você o conhece?

O homem seguiu a direção do seu dedo.

- De nome não. Mas há semanas ele tem ficado sentado ali, na escadaria, mas com um adulto. Que estranho.

Ouviu-se um estouro. As prateleiras do café tremeram. Um alarme soou e ela colocou as mãos em seus ouvidos, tentando abafar o som. Os garçons foram correndo desligar as máquinas. Alguns clientes saíram do café, outros, foram para baixo da mesa. Ela permaneceu imóvel. Sabia que se ficasse quieta, a barreira de vidro a protegeria.

O menino ficou em pé. Homens de máscara saiam correndo de dentro do banco. Um deles veio em sua direção. O menino desceu as escadarias e começou a atravessar a rua no mesmo momento que a viatura da polícia apareceu. O motorista, tentando desviar do menino, virou toda a direção para o seu lado direito e perdeu o controle. O carro subiu na calçada e entrou dentro do café.

O homem encapuzado alcançou o menino.

- Não grite e vamos.

- Pai?

- Rápido.

O menino olhou uma última vez para trás, procurando a moça, mas a viatura havia ocupado o seu lugar.

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