sábado, 26 de junho de 2010

Capítulo 1 - Continuação

O bar era pequeno, todo colorido e com um mesanino. Sentaram em uma mesa no canto, perto do ar condicionado. Desistiram e acabaram trocando de mesa, era melhor o calor do que o barulho. Eram dez da noite quando a garçonete trouxe um pequeno bolo com uma vela. Suas colegas começaram a cantar parabéns e o restante dos clientes acompanhou. Fechou os olhos e fez o único desejo que lhe veio a mente.

– O que você desejou? – perguntou Ane.

– Um milagre.

Suas colegas se entreolharam, Renata pegou uma sacola e de lá tiraram uma bonita embalagem.

– Bom... acho que milagre não faz.. mas diz o vendedor que atraí energias positivas.

Lúcia abriu com cuidado o pacote azul com laço dourado. Dentro, havia uma pedra de formato triangular. Ao retirar o pequeno objeto do pacote a luz fez com que reflexos amarelo escuro e rosas surgissem.

– É lindo. – agradeceu com um sorriso


Quando chegou em casa, todos dormiam. Caminhou silenciosamente até o quarto e colocou a pedra em uma cômoda próxima a sua cama. Vestiu o pijama e antes de se deitar, passou o polegar pela parte áspera da pedra e pediu “Me ajude a encontrar um milagre”.

O ar que respirava estava quente e pesado, quase tão pesado quanto seu peito. Por um breve instante, sentiu-se tomada por uma tristeza. Abriu os olhos devagar e se deparou com um par de olhos verdes. Gritou.

– O que foi isso? – perguntou a mãe na porta do quarto.

– Cadê? – Lúcia estava sentada na cama, olhando para todos os lados.

– Cadê o que Lúcia?

– O gato... o gato que estava aqui na cama, olhando pra mim?

– Enlouqueceu Lúcia. O que você andou bebendo ontem?

– Nada mãe. Tinha um gato em cima de mim. É sério.

– Tá. Então levanta e te veste, antes que se atrase.

Afastando as cobertas, colocou os pés no chão frio. Deu uma olhada embaixo da cama, ao levantar a cabeça, sem perceber, concentrou sua visão no presente ganho. Com a claridade da janela, o pequeno triângulo tinha reflexos dourados e rosas. Era uma peça bonita. E se as meninas estivessem certas, talvez trouxesse a sorte que tanto precisava.

Encontrou a mãe tomando café e lendo o jornal. Como de costume, não tomou conhecimento da sua presença. Lúcia foi até a cozinha e se serviu de uma xícara de café. Não tinha pão, muito menos um bolo. Ainda se surpreendia pela falta de carinho da mãe, nem um beijo, abraço ou desejo de parabéns.

Sabia que isso não tinha haver com a morte do pai ou dificuldades financeiras, sempre foi assim. Chegou a pensar que era adotada, mas a marca em formato de lua crescente, no braço esquerdo, tornava inegável aquela relação.

– Bonita a pedra que você ganhou – disse a mãe.

– Como? – Lúcia reagiu surpresa – ah sim... foi um presente das minhas colegas.

– Elas poderiam ter te dado algo mais útil, como um livro.

– Um livro é muito caro, mãe. O presente é apenas uma lembrança.

– Não, aquilo é uma pedra de verdade. É gelada mesmo depois de ficar um tempo na mão. Não é coisa barata.

– Bom... foi um presente das minhas colegas, não cabe a mim escolher nem a senhora opinar. Afinal, não lhe diz respeito.

– Mais respeito, menina.

– Elas pelo menos se lembraram. E a senhora, nem um abraço?

– Deixe de bobagens. Vá escovar os dentes e te manda. O ônibus passa em dez minutos.

Joana esperou a filha largar a xícara na cozinha e correr para o banheiro. Lúcia era como ela quando jovem, sem graça e sonhadora. Pelo menos não havia cometido o mesmo erro de engravidar do primeiro homem que se interessou por ela. Mas não conseguia amar a filha, ela era a lembrança de todos os seus erros. Como seu pai havia lhe dito, se era para engravidar, que fosse de um homem rico, mas nem pra isso servia. Fechou o velho robe e foi até o quarto do filho. Ele sim, ele era o seu único acerto.

– Querido. Levante, hora de ir para a aula.

Lúcia sabia que em sua família, apenas filhos homens eram valorizados. Era o que dizia o seu avô, que sempre contava a história de que perdera a herança por ter tido uma filha mulher e que todo o dinheiro havia ficado com a irmã, que havia parido um varão.

“Besteira” pensou Lúcia, enquanto desviava do buraco da calçada, “vovô bebia e depois inventava essas histórias. E a burra da minha mãe acredita até hoje. Se fosse verdade, teríamos conhecimento dessa gente.”

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