domingo, 27 de março de 2011

Epílogo

Joana caminhava na Rua da Praia segurando um pacote em uma das mãos e a mala em outra. Pedro puxava uma mala de rodinhas e o outro pacote que haviam pegado no correio. Olhou para o rosto de sua mãe, mas esse não expressava nada.

– É muito bizarro.

– O que é bizarro, Pedro?

– Buscar o que sobrou da minha irmã no correio.

– Quem mandou ela se enviar a quilômetros de distância sem me avisar. Eu não tinha como pagar o transporte do corpo.

– Eu sei, mãe. Não estou lhe criticando, estou apenas dizendo que é estranho. Eu, por exemplo, nunca imaginei que se enviasse as cinzas de uma pessoa pelo correio.

– Eles nem devem saber. A nossa sorte foi eles terem pago a cremação dela.

– Eles são mesmo nossos parentes?

– Eu não sei. Eles encontraram o desenho de uma árvore genealógica nos destroços do carro, feita pela mãe deles. Tudo indica que ela era uma prima distante nossa, assim como um outro rapaz e um menino que estavam no carro.

– Tu sabias da existência dessa gente, mãe?

– Do rapaz chamado João, sim. Seu avô havia me comentado sobre o nascimento dele. Um pouco mais novo do que eu. Mas do menino, nunca havia ouvido falar.

– E esses que nos enviaram as cinzas da Lúcia, são nossos parentes?

– Eles são filhos adotivos da tal Vivian. Descendentes do mesmo sangue, só restaram eu e você. Mas eles estão interessados em manter contato e como eles tem dinheiro, não irá nos fazer mal.

– Como vamos ficar sem o dinheiro que a Lúcia nos enviava?

– Não sei. A empresa vai nos mandar alguma coisa do seguro dela. Também tem um valor por causa do acidente, mas isso os filhos dessa prima vão ver e nos repassar.

– Tu confias nele?

– Eles cremaram a tua irmã de graça, não? Isso já serve de voto de confiança. Agora, vamos andar rápido. O ônibus sai em uma hora e temos que caminhar até a rodoviária.

Caminharam até a rua Senhor dos Passos, desceram e chegaram na Voluntários da Pátria, onde passaram com dificuldade pelas lojas populares e seus vendedores que tentavam puxa-los para dentro. Vinte minutos depois, chegaram na rodoviária, que se encontrava vazia por ser quarta-feira.

Sentados esperando o ônibus, abriram o primeiro pacote. Joana encontrou uma pequena caixa de madeira com o desenho de Nossa Senhora.

– O que você fez, Lúcia? – seus olhos se encheram de lágrimas – Por que você foi tão longe, sem me falar nada? – um sentimento de culpa, por ter se mantida afastada da filha a dominou. Se fossem mais próximas talvez Joana soubesse o que a filha foi fazer em Belo Horizonte com um bando de primos desconhecidos.

– Era pra ser. Não adianta você se culpar. – Pedro a consolou.

– Eu deveria ter sentido. Se ela confiasse em mim.

– Se, se, se... mãe não existe mais se. – Disse perdendo a paciência. – Já foi. É um fato consumado.

– O que tem no seu pacote? – Joana secou as lágrimas, só agora lembrando da segunda encomenda.

– Deixe-me ver. – Pedro abriu o pacote – É uma pedra.

– É parecida com uma pedra triangular que sua irmã havia ganho. – Joana reconheceu. – Eles me disseram que iriam enviar os objetos que estavam com ela. Onde será que arrumou essa pedra?

– E eu que sei mãe. Eles enviaram a bolsa dela também. – Pedro abriu a bolsa – Olha só... o celular dela está intacto. Tem várias chamadas não atendidas. – Apertou algumas teclas do aparelho. – São das amigas dela.

– Amigas? Só serviram para dizer que ela tinha sido cremada e que eu jogasse as cinzas na praia.

Pedro sabia que não havia sido exatamente assim. Mas quem poderia culpar sua mãe por não ter paciência para escutar as pessoas responsáveis por tirarem sua única filha de casa. Joana não havia deixado nenhuma das moças falarem. O rapaz havia se admirado dela guardar a informação de que a irmã gostaria de ter as cinzas jogadas no mar.

Com um bocejo, Pedro se acomodou melhor ao lado da mãe, abriu uma revista e ficou esperando pelo ônibus. O motorista abriu a porta e o compartimento de malas. Joana, Pedro e os poucos passageiros que aguardavam se encaminharam até o ônibus. Depois de etiquetarem as malas, mãe e filho subiram os degraus e começaram a procurar seus lugares.

– É aqui, Pedro. – Observando que o filho não se sentava, olhando para a frente – O que foi, Pedro?

– Não sei. – Pedro se sentou e com cuidado, acomodou o pacote com as coisas de sua irmã em seu colo – o motorista está meio alterado, conversando com outro homem. Será que tem alguma coisa errada com o ônibus?

– Não tem nada, Pedro. Tu achas que eles colocariam um ônibus com problema na freeway? Devem estar reclamando do salário.

Na rua, o motorista olhava preocupado para os pneus dianteiros.

– Cara. Esse ônibus não tem condições. O Rafael já me disse que quase não conseguiu frear na vinda para cá.

– Vamos fazer o seguinte, Cardoso. Faz só mais essa viagem de ida e volta. Quando você chegar, leva direto para a garagem. Vou deixar um recado para o pessoal da manutenção verificar os freios.

– A responsabilidade é de vocês.

– É, nossa, Cardoso. Não esqueça de que como motorista tu também é representante da empresa. Agora chega de onda e entra no ônibus, quanto mais cedo sair, mais cedo volta.

– Tá certo.

– E tira o gato de dentro do ônibus.

– Que gato? – Cardoso estranhou.

– Tive a impressão de ter visto um gato na sua poltrona. Esquece e vai.

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