domingo, 28 de novembro de 2010

Capítulo Dezessete

Belo Horizonte, Bonfim

– Cemitério? – perguntou Antônio – O que vamos fazer em um cemitério?
– Tenho uma intuição. Mas não tenha medo, o cemitério do Bonfim é diferente.

Em silêncio, percorreram o caminho de um bairro a outro. Vivian não tinha certeza do que estava fazendo. Nem sua mãe havia achado uma resposta para não haver nada sobre os herdeiros de Irina nas peças da casa. Entre todos os lugares de Belo Horizonte que Elvira poderia ter carregado uma maldição, só passava pela cabeça de Vivian um único lugar: o próprio tumulo.
Estacionaram próximo a porta de entrada. Caminharam devagar, observando a guarita de entrada e os vários caminhos. As vezes, paravam e admiravam uma escultura, para manterem a imagem de turistas ou simplesmente por ser realmente bela.

– Ele é imenso. – comentou Antônio
– É sim. Me parece que tem mais de cento e oitenta e cinco mil sepultamentos. É praticamente uma cidade.
– Uma cidade de mortos. – Antônio comentou – Lembra um pouco aquele cemitério de Buenos Aires, onde Evita está enterrada.
– É verdade. Como lá, as esculturas foram feitas por artistas de renome na época. Quase passa por um museu.
– É verdade. E ele já virou ponto turístico?
– Não sei. Há um tempo atrás, tinha um projeto para isso, mas não sei se foi aprovado ou não.
– O que procuramos?
– O mausoléu dos Melo.
– Por que?
– Acho que a resposta que procuramos está lá.
– No mausoléu? Mas como vamos saber?
– Não sei. Preciso ir lá e ver o que ela me diz.
– Vivian! Ela não irá te dizer nada.
– Calma. – Vivian riu. – Ainda não estou louca. Confie em mim.

Percorreram um longo caminho, até chegar em uma parte mais antiga. O nome das famílias tradicionais dos anos quarenta gritava nas lapides de mármore. Vivian parou na frente de uma e passou os dedos.

“Carlos Ribeiro Melo
1915 – 1940
Eterno são os jovens que brilharam em nossas vidas.”

– Ele morreu jovem.
– Muito jovem. Eu era criança, mas ainda me lembro dele. Sempre sorrindo e arrumando os cabelos negros. Era muito vaidoso.
– Como ele morreu?
– Na teoria? Em um acidente de trem.
– Na teoria? Como assim?
– Na prática, Irina colocou uma pedra amaldiçoada na pasta de Carlos. Ele a carregava no momento do acidente.
– Irina também era bruxa?
– Não. Irina ganhou essa pedra de Elvira. Minha mãe acha que Irina descobriu que era a sua sentença de morte e a repassou para Carlos. Como uma vingança.
– Mas ela não o amava?
– Esse é o grande mistério. Quando eles se casaram, minha mãe acreditava que sim. Só que o fato dela o empurrar para a morte, fez todos duvidarem. Tanto que ela foi embora da cidade sem um único tostão.
– Nossa. E o que aconteceu com ela?
– Nos primeiros anos eu não sei. Mas acabou em São Paulo. Mamãe achou uma foto dela em um jornal, quando seu Adriano ainda estava vivo. Parece que fez um bom casamento por lá.
– Levou a vida adiante.
– Sim. Aqui está.

Antônio olhou na mesma direção e viu o mausoléu dos Melo. Entraram pela pequena porta. Sobre cada tumba, um grande mármore cor de gelo refletia a pouca luz do sol que por ali entrava. No lado direito, encontrava-se o que um dia havia sido o corpo de doutor Adriano. No lado esquerdo, refletindo de forma estranha as cores rosa e amarelo escuro, a morada eterna de madame Elvira.
Quase por instinto. Vivian colocou as duas mãos sobre o mármore e fechou os olhos. Estava ali. Ela tinha certeza que estava ali.

– Antônio. Vou ser obrigada a lhe pedir uma coisa.
– O que?
– Precisamos abrir o tumulo de madame Elvira.
– Você pirou, Vivian?
– Está aqui. Tenho certeza que está aqui. Você vai me ajudar?
– Não concordo com o que você está me pedindo. – Antônio suspirou. – Mas como prometi ajudar, vou faze-lo até o final. Quando você quer abrir o tumulo da bruxa?
– Hoje à noite.
– Mas... precisamos de mais tempo para observar o funcionamento. Os horários dos vigias, os acessos... – Antônio gesticulava sem parar.
– Você viu algum vigia por aqui?
Antônio olhou para os dois lados. Caminhou um pouco e voltou.
– Não. – Disse surpreso.
– Se de dia eles não se animam vir na parte velha, não será à noite.
– Mas como vamos fazer para entrar?
– Olhe para a sua direita. Mais três quadras e temos um muro. Essa será a nossa porta de entrada... e saída.

Eram mais de onze horas da noite quando voltaram ao cemitério. Dessa vez, estacionaram em uma das áreas mais escuras, que eram próximas a parte mais antiga. Colocando uma escada em um dos muros laterais, Antônio verificou se o mausoléu estava próximo, assim como se havia algum vigia a vista. Repetiu a operação cinco vezes, até encontrar o ponto indicado durante o dia por Vivian.
Antônio posicionou uma segunda escada para descerem e ajudou Viviam a passar pelo muro. Vivian achou incrível conseguir fazer aquilo. Quando voltasse pra casa, iria comprar um presente especial para a sua professora de yoga.
Com a ajuda de lanternas, chegaram ao tumulo de Elvira. Antônio pegou um pé de cabra e começou a levantar a tampa de mármore. Seus braços tremiam, o suor começou a escorrer pela sua testa. Medo e adrenalina pareciam lhe dar forças para finalmente levantar todo o tampo e deixa-lo encostado à parede.

– Não há terra. – exclamou surpreso. – E o caixão fica bem próximo.
– Melhor. Assim, será mais fácil.

Vivian estendeu o braço e soltou a tranca. Não podia contar com a ajuda de Antônio, que segurava a pesada tampa. Esticou o outro braço e tentou levantar a tampa. A princípio não achou nada que pudesse puxar. Depois de tatear, encontrou uma parte mais elevada e puxou para cima. Com um reflexo que não imaginava, conseguiu colocar as mãos abaixo da tampa e levanta-la totalmente.
Depois de conseguir apoiar a tampa do caixão, de forma que conseguisse segura-lá com uma mão. Pegou a lanterna que estava no bolso do seu casaco e a ligou. Quando direcionou a luz para o caixão, Antônio teve que segurar um grito. O que virão foram o corpo de Elvira intacto, usando um vestido longo e azul, seus braços se cruzavam como se fosse uma vampira. Embaixo deles, um livro.

– Antônio. Você consegue segurar com uma das mãos a tampa do caixão? – Vivian sussurou.
– O que você vai fazer, Vivian?
– Preciso tirar o livro debaixo dos braços dela.
– Você está brincando né? Você vai mesmo mexer no corpo?
– Eu tenho que fazer isso.
– E se ela acordar?
– Não vai. Ela está morta.
– Mas o corpo dela está intacto! Depois de todos esses anos...isso não é normal.
– Você consegue ou não? – Vivian elevou a voz, percebendo que o pânico começava a tomar conta de Antônio.
– Vou tentar.

Antônio apoiou uma das pernas na parede. Com um esforço supremo, tirou a mão que segurava o mármore e pegou a tampa. O mármore veio para frente, o que fez ele pedir num fio de voz:
– Ande rápido. Não vou agüentar muito tempo.

Vivian se curvou e levantou os braços. Sentiu o gelo daquele corpo a envolver por um segundo e depressa, puxou o livro. Por um momento, achou que Elvira iria abrir os olhos e segura-la. Mas isso não aconteceu.
Rapidamente, colocou o livro no chão e foi baixar a tampa do caixão. Com cuidado o recolocou.

– Não esqueça a tranca. – Antônio avisou.
Baixaram o mármore e começaram a sair do local. Olharam para os lados, mas não havia nenhum sinal de vigias. Caminharam rapidamente até o muro, onde encontraram a escada. Após passarem pelo muro, correram até carro. Antônio destravou as portas, guardou as escadas na parte traseira e se dirigiu ao banco do motorista. Vivian aguardava sentada no banco do passageiro, com uma visível dificuldade para respirar.

– Você não tem mais idade para isso, Vivian. – Antônio a censurou.
– Eu sei. Mas mamãe me dá forças.

Com o carro em movimento, Vivian ligou a luz interna e olhou o livro pela primeira vez. A capa era preta e de couro. Sem nenhuma inscrição ou identificação. Ao abri-lo, começou a folhar as páginas. Antônio a observou com o canto de olho, como que esperando uma justificativa para a loucura que haviam cometido.

– Então, o que é? – Perguntou, não agüentando mais. Vivian fechou o livro e olhou para a rua, aumento a angústia de Antônio. Após respirar profundamente, voltou o seu rosto para ele e respondeu:
– Encontramos. Pelos poucos parágrafos que li, não é exagero meu dizer que encontramos o livro de Elvira.

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