domingo, 7 de novembro de 2010

Capítulo Quatorze

Belo Horizonte, Cidade Jardim

– Estou morto – suspirou Antônio – Quantas peças ainda faltam?

– Poucas. A biblioteca, a sala de jantar íntima, os três banheiros sociais e os dois quartos de hóspedes.

– Só?! – Antônio riu – que semana.

– Isso sem quebrar nada. – Vivian salientou.
– Ainda bem. Depois daquela maldição de que qualquer peça quebrada iria restaurar todas as maldições, eu que não iria me arriscar.

– É verdade. Incrível como ela estava preparada. Como se tivesse adivinhado tudo o que mamãe pensava. Como se soubesse que viríamos aqui.

– Ou para se precaver, no caso de outra coisa ruim vir morar aqui.

– Não havia pensando nessa possibilidade.
– Podíamos mandar essas fotos para o Guiness.
– Pra que?

– Para colocar como a casa mais amaldiçoada do mundo. Nenhuma peça se salva. Estamos a uma semana limpando isso aqui.

– Por isso acho que ela vinha se preparando há muito tempo. Ninguém faria isso em uma noite.
– Talvez desde que ela ficou sabendo do desejo de Carlos se casar com Irina.

– Pode ser. Mas um mês realizando rituais diários, isso mataria qualquer pessoa.

– Como matou, Vivian. Imagino que naquela noite ela deve ter se excedido, talvez feito à maldição para a sua mãe e para o doutor Adriano. E por isso morreu logo em seguida ao seu filho.
– Não havia pensado sobre esse ponto de vista.

– De qualquer forma, nunca saberemos as reais intenções dela. Ao mesmo tempo em que repele estranhos com maldições, impedindo qualquer pessoa de morar aqui, parece atrair os que poderiam ter alguma ligação com ela.
– Mas não sobreviveu nenhum parente dela, para atrair alguém com laços familiares.

– Não digo laços de sangue, mas como o que você tem com ela. Você a conheceu criança, e a sua mãe lhe designou uma missão em relação a ela. E tem os herdeiros de Irina.

– Laços invisíveis. Incrível como um fato mexe com a vida de todos.

Vivian olhou para as paredes da casa. Sabia que nessa madrugada poucas peças estariam iluminadas, e que em mais dois dias tudo estaria terminado. Sua mãe não a questionava mais, nem lhe cobrava tanta pressa. Talvez nem ela imaginasse que madame Elvira iria exigir cuidado dos que resolvessem exterminar com sua maldade. Mas ainda faltava a parte mais importante da missão.

– O que me angustia Antônio – começou – é que não encontramos nada relacionado aos herdeiros. Minha mãe acreditava, e hoje eu também acredito, que eles correm risco de vida.
– Só que nenhuma maldição era destinada a eles. – Antônio completou seu pensamento. – Vamos ter calma. Ainda não completamos a limpeza. Ou sua mãe tinha lhe dado alguma indicação?

– Não. Nenhuma. Mas imaginava uma área nobre... embora as áreas relacionadas aos hóspedes tenham algum sentido.

– Abrigo para estranhos.

– Não, para inimigos. Um dos quartos, que eu não me lembro qual, era sempre destinado às pessoas que não eram bem-vindas por madame Elvira. Embora nenhuma dessas pessoas soubesse desse fato.

– E o que acontecia com elas?

– Não sei. Elas sempre iam embora no outro dia, sem tomar café da manhã.
– Como dizem os meus filhos: Sinistro.
– Não brinque, Antônio.

– Se não brincarmos, vamos enlouquecer. Às vezes acho que esse é o segredo: não levar a sério toda essa história de bruxaria. A nossa mente pode alimentar essa crença, tornando-a real. Daqui a pouco estaremos vendo coisas.

– Não creio nisso. Pois estaria transferindo tudo o que aconteceu com madame Cristina e doutor Adriano, para a minha mãe.

– Por que?

– Porque ela era a única que sabia. E minha mãe jamais faria mal a ninguém.

– Claro que não. Tia Catarina foi à pessoa mais bondosa que conheci.
– Então não subestime o poder de madame Elvira, Antônio. Isso pode custar nossas próprias vidas.

No domingo à tarde, Vivian decifrou os últimos códigos e decifrou suas maldições. Nenhuma referente a Irina ou seus herdeiros. Onde? Onde está? Olhou para Antônio e viu em seus olhos a esperança de terem terminado. Sabia que ele estava com saudade de casa, da sua família. Só que não podiam ir embora, apenas metade da missão havia sido feita.
Deitou na cama, fechou os olhos e esperou. Quando sua mãe a acordou, nenhuma luz entrava pela janela. Andando na ponta dos pés, Catarina levou Vivian pela porta, atravessaram o corredor e abriram a porta da sala. Caminharam até o jardim e olharam para a grande casa, que se encontrava escura, fechada e silenciosa.

Sendo puxada pela mão, Vivian se viu entrando na casa, apenas as suas sombras se movimentavam. Quando tentava falar, para perguntar o que estava fazendo ali, sua mãe colocava a mão nos próprios lábios, indicando silêncio.

Se dirigiram ao escritório do doutor Adriano. Catarina abriu a terceira gaveta e tirou de lá uma fita do Senhor do Bom Fim. Vivian também tinha uma, havia ganho de madame Cristina, quando ela e o marido haviam retornado de uma viagem a Bahia.

Catarina abriu a mão direita de Vivian e colocou a fita lá.


Quando o sol invadiu o quarto, Vivian abriu os olhos. Havia dormido além da conta. E pelo silêncio, Antônio também. Notou que havia algo em sua mão. Ao abrir, viu a fita do Senhor do Bom Fim. Levantou e guardou na primeira gaveta da única cômoda que havia no quarto. Se arrumou e foi tomar café da manhã.

Antônio estava na mesa da cozinha, lendo o jornal. Levantou os olhos e lhe sorriu.

– Bom dia prima. Quais os planos para hoje?

– Atender a corretora. Para assinar os papéis da compra da casa. – Pegou um pão e uma faca. Procurou pelo pote de margarina antes de falar novamente. - Depois tenho que pensar.
– Os herdeiros? – Antônio foi até a geladeira, pegou a margarina e a entregou para Vivian.

– Sim. Obrigada. – Vivian abriu o pote e com a faca começou a preencher o pão. - Deve existir, em algum lugar, alguma coisa relacionada a eles.

– E se ela não fez nada?

– Tenho certeza que ela fez. Irina lhe tirou a única coisa que realmente amava: seu filho Carlos.

– Olho por olho.

– Exatamente.


– Está gostando da casa, Vivian? – perguntou a corretora.

– Sim, Mariana. É uma casa maravilhosa.

– Realmente, ela é divina. Acho que mais bonita que ela, só uma outra que vendi ontem, no BonFim.

– BonFim? – Vivian arregalou os olhos.
– Sim. Aqui em Belo Horizonte, perto do centro, temos um bairro chamado BonFim.

– É verdade, eu já havia esquecido.

– Se a senhora tiver tempo, vale a pena visitá-lo. – Disse abrindo uma pasta marrom. - Bom, aqui estão os papéis, rubrique as primeiras páginas e assine na última.
– Certo.

Enquanto Viviam rubricava, sua mente funcionava a todo vapor. Terminada a parte burocrática, conversou mais algumas amenidades com a corretora e depois a acompanhou até a saída.
Entrou na casa dos empregados. Antônio assistia um filme antigo, que passava pela vigésima vez na televisão.

– Antônio, se arrume. Vamos sair.

– Nossa! O que houve?

– Acho que sei onde está a maldição dos herdeiros.

– E pelo jeito não está na casa.

– Não. Com certeza não está.

Vivian foi até o seu quarto, e encontrou a fita em cima da sua bolsa.

– Não precisava mãe. Já descobri. – disse em voz alta.


Vivian fechou a porta. Antônio já a aguardava dentro do carro. Abriu a porta e sentou-se ao seu lado. Fechou a porta e colocou o cinto sem dizer uma palavra. Antônio a aguarda, cheio de expectativa.

– Então, para onde vamos?

– Para o bairro BonFim.

– Bairro BonFim? Aquele perto do centro?

– Isso. Você já o conhecida? – Vivian olhou para Antônio que apenas levantou os ombros.

– Li sobre ele no jornal. O que vamos procurar lá?

– O cemitério do Bonfim.

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