Conta a boca pequena que tudo não
passava de uma desculpa, mas o homem em questão, já na idade dos “enta”, afirma
que tudo foi culpa da sobremesa de amora.
Em uma noite quente de verão,
especificamente no terceiro dia do mês, todo um planejamento havia sido
realizado: jantar a luz de vela com um cardápio elaborado por um importante
chef internacional, a reserva da suíte temática de um motel recém-inaugurado,
champagne e cueca samba canção de seda.
Atendendo um pedido dele, a namorada
comprou uma lingerie rendada e a escondeu sobre um justo vestido vermelho. Os
sapatos de saltos finos e os cabelos lisos e loiros presos em um coque solto,
apenas acentuavam a sensualidade que ia dos lábios carnudos até os pés
protegidos por finas meias de seda.
Enquanto ele fazia o toque da
campainha soar e batia levemente o pé direito contra o piso branco, os olhos da
dama avaliavam a figura exibida no espelho. Com um leve aceno de cabeça,
aprovando o que via, ela caminhou lentamente até a porta e o observou pelo olho
mágico.
Quando a porta se abriu, ele
sentiu o estomago dar a primeira volta, ficando com o rosto tão rosa quanto a
sua camisa. Com um gesto que deveria ser suave estendeu o buque de flores.
Rosas vermelhas. Quase tão vermelhas quando a cobertura de amora que cobria o
sorvete que ele havia comido meia hora antes.
Ela o convidou a entrar, enquanto
ele observava os objetos da sala, ela colocava as flores em um vaso de vidro.
Por um breve momento considerou pedir para usar o seu banheiro, mas quando ela
avisou que estava pronta, ele acreditou piamente que o seu mal-estar iria
passar.
O restaurante estava
relativamente cheio. Antes de entregar a chave do carro ao manobrista quase
sugeriu mudarem os planos, mas ela estava tão encantadora que sabia não haver
perdão. Com um suspiro saiu do carro e foi até o lado do carona, abrindo a
porta e oferecendo o braço.
Seus olhos analisavam sem vida as
opções no menu, ela com um sorriso o pressionava levemente com um “está indeciso,
amor?”, enquanto o maitre demonstrava impaciência pelo fato de ele estar a dez
minutos na mesma página. Sem nem mesmo olhar o preço, escolheu o primeiro item
e se arrependeu imediatamente ao ver a boca aberta de sua companheira.
A lagosta era quase tão vermelha
quanto o vestido que ela usava, observava o bicho sem ter a mínima ideia de
como a mesma era degustada. Ela sorriu gentilmente enquanto o maitre retirava
com facilidade a carne de dentro da casca e depositava em seus pratos. Com
desconfiança, ele cortou um pedaço pequeno e o mastigou lentamente, ao engolir,
sentiu a parte central do seu corpo dar um giro de 360 graus e teve que apertar
as mãos com força para nada acontecer.
Notando que ele não comia, ela
questionou se ele não estava gostando e seu rosto ficou corado ao receber como
resposta que ele estava inebriado pela presença dela e que o desejo que ele
sentia impedia que os outros sentidos procurassem algo diferente de sua pele,
seu cheiro ou gosto.
Mesmo encantada com a resposta,
ela continuou o jantar, solicitando depois uma torta de amora como sobremesa ao
qual tentou delicadamente colocar na boca do homem que via com desespero o
pequeno garfo se aproximar.
Após uma hora e meia de aflição,
finalmente saia do restaurante. O valor da conta foi quase tão doloroso quanto às
milhares de facas espetadas na sua barriga. Sentou no carro pronto para dizer
já é tarde quando ela colocou a mão sobre a sua coxa e apertando-a questionou
onde ele a levaria agora.
Com um sorriso amarelo, se
direcionou ao motel onde havia reservado a suíte. Durante o caminho, ela lhe
seguiu fazendo carinhos, e acreditava piamente que os olhos vidrados do
companheiro eram de pura excitação. Ele tentava respirar calmamente, enquanto
serrava os lábios e tentava ignorar o gosto de amora que lhe vinha até a garganta.
Ao entrar no quarto, seus olhos
involuntariamente procuraram pelo banheiro, notando o seu olhar, a mulher se
aproximou e o puxou pela mão até o banheiro. Calmamente, ela ligou a banheira
de hidromassagem, enquanto esta começava a encher, tirou-lhe as roupas e
indicou que ele deveria se sentar na mesma.
Foi com alívio que ele a viu sair
do banheiro e ir ao quarto ligar o som. Mas neste breve instante de relaxamento
tudo desandou e quando ela retornou a cena era tão grotesca que nem com
lobotomia ela iria esquecer.
A vergonha demorou uma hora para
passar, quando ele finalmente foi até o quarto, encontrou-a dormindo no meio da
enorme cama, seus olhos abriram levemente quando ele se aproximou e docemente
ela perguntou se ele havia melhorado. Após um aceno positivo, ela se levantou e
colocou os sapatos.
No caminho ele relatou a história
do sorvete de amora, ela lhe disse para não se preocupar, mas não o convidou para
acompanha - lá até o apartamento. O homem ainda hoje acredita em 99% do tempo
que ela lhe perdoou, mas uma pulga lhe surge atrás da orelha quando em um dos
encontros mensais ela lhe oferece sorvete com cobertura de amora.