terça-feira, 21 de maio de 2013

Cadeira Vazia


          Silêncio. Nem o barulho do rádio relógio influencia na harmonia da casa. Acordar. Depois de um banho calmo vou cambaleando até a mesa onde está o meu Nescau pronto e um bolo de chocolate com calda ao qual prontamente começo a namorar. Paciência. Mastigo até o leite enquanto ouço, paralelamente, a moça do tempo e minha mãe comentando a crônica do dia. Estranhamento. Olho para a cabeceira da mesa e passo direto para a bergamoteira onde os passarinhos encontram-se a bicar os frutos ainda pequenos e verdes.
            Olhos para os lados, um sentimento que não consigo identificar, não é saudade, nem solidão, parece paz. Retorno um ano antes, mesmo não dividindo o mesmo banheiro qualquer demora a mais ganhava uma batida na porta. Não havia sorriso de bom-dia e sim um engole isso de uma vez e a TV com o som a milhão. Entrou em crise quando meu avô materno foi morar lá em casa, piorou quando me formei e não me mudei, era da opinião que um diploma não valia nada e sim um marido que desse dinheiro ao sogro.
            Sua face só mudava em um momento, quando saía para jogar futebol. No princípio eram duas horas de futebol, depois quatro, vivia junto com um vizinho as gargalhadas, surgindo assim o apelido tão odiado por ele "Pit Bicha e Pit Bitoca".
Adorava verificar se o carro alheio tinha gasolina, pegava emprestado e nunca recolocava o combustível. Fazia o mesmo com a cerveja, tomava a de todos, mas nunca pagava uma rodada. Se fazia de pobre mesmo ganhando três vezes mais do que as pessoas que os rodeavam. A loucura chegou ao ponto que começou a renegar comida em casa, dinheiro para o futebol não faltava, assim como a pose de ótimo marido e excelente pai (que dizia pagar tudo para a filha quando não dava um único centavo).
Um dia foi embora, sem beijo de despedida ou um último olhar para trás. Disse que iria ser feliz.
 Se o é, não sei, nunca mais entrou em contato e o alívio que senti me impediu de procurar. Reorganizei a vida, suas feições começam a desaparecer da minha memória, assim como o timbre da sua voz, na foto apenas um estranho. Tudo foi substituído por uma paz, uma paz que me acompanha desde o momento em que sentei na cadeira antes vazia.

Crônica escrita em 2007 no curso Formação de Escritores - Unisinos

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