Silêncio. Nem o barulho do rádio
relógio influencia na harmonia da casa. Acordar. Depois de um banho calmo vou
cambaleando até a mesa onde está o meu Nescau pronto e um bolo de chocolate com
calda ao qual prontamente começo a namorar. Paciência. Mastigo até o leite
enquanto ouço, paralelamente, a moça do tempo e minha mãe comentando a crônica
do dia. Estranhamento. Olho para a cabeceira da mesa e passo direto para a
bergamoteira onde os passarinhos encontram-se a bicar os frutos ainda pequenos
e verdes.
Olhos para os lados, um
sentimento que não consigo identificar, não é saudade, nem solidão, parece paz.
Retorno um ano antes, mesmo não dividindo o mesmo banheiro qualquer demora a
mais ganhava uma batida na porta. Não havia sorriso de bom-dia e sim um engole
isso de uma vez e a TV com o som a milhão. Entrou em crise quando meu avô
materno foi morar lá em casa, piorou quando me formei e não me mudei, era da
opinião que um diploma não valia nada e sim um marido que desse dinheiro ao
sogro.
Sua face só mudava em um momento,
quando saía para jogar futebol. No princípio eram duas horas de futebol, depois
quatro, vivia junto com um vizinho as gargalhadas, surgindo assim o apelido tão
odiado por ele "Pit Bicha e Pit Bitoca".
Adorava verificar se o carro alheio
tinha gasolina, pegava emprestado e nunca recolocava o combustível. Fazia o
mesmo com a cerveja, tomava a de todos, mas nunca pagava uma rodada. Se fazia
de pobre mesmo ganhando três vezes mais do que as pessoas que os rodeavam. A
loucura chegou ao ponto que começou a renegar comida em casa, dinheiro para o
futebol não faltava, assim como a pose de ótimo marido e excelente pai (que
dizia pagar tudo para a filha quando não dava um único centavo).
Um dia foi embora, sem beijo de
despedida ou um último olhar para trás. Disse que iria ser feliz.
Se o é, não sei, nunca mais entrou em contato
e o alívio que senti me impediu de procurar. Reorganizei a vida, suas feições
começam a desaparecer da minha memória, assim como o timbre da sua voz, na foto
apenas um estranho. Tudo foi substituído por uma paz, uma paz que me acompanha
desde o momento em que sentei na cadeira antes vazia.
Crônica escrita em 2007 no curso Formação de Escritores - Unisinos
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