quarta-feira, 1 de maio de 2013

O caso da sobremesa de amora



Conta a boca pequena que tudo não passava de uma desculpa, mas o homem em questão, já na idade dos “enta”, afirma que tudo foi culpa da sobremesa de amora.

Em uma noite quente de verão, especificamente no terceiro dia do mês, todo um planejamento havia sido realizado: jantar a luz de vela com um cardápio elaborado por um importante chef internacional, a reserva da suíte temática de um motel recém-inaugurado, champagne e cueca samba canção de seda.

Atendendo um pedido dele, a namorada comprou uma lingerie rendada e a escondeu sobre um justo vestido vermelho. Os sapatos de saltos finos e os cabelos lisos e loiros presos em um coque solto, apenas acentuavam a sensualidade que ia dos lábios carnudos até os pés protegidos por finas meias de seda.

Enquanto ele fazia o toque da campainha soar e batia levemente o pé direito contra o piso branco, os olhos da dama avaliavam a figura exibida no espelho. Com um leve aceno de cabeça, aprovando o que via, ela caminhou lentamente até a porta e o observou pelo olho mágico.

Quando a porta se abriu, ele sentiu o estomago dar a primeira volta, ficando com o rosto tão rosa quanto a sua camisa. Com um gesto que deveria ser suave estendeu o buque de flores. Rosas vermelhas. Quase tão vermelhas quando a cobertura de amora que cobria o sorvete que ele havia comido meia hora antes.

Ela o convidou a entrar, enquanto ele observava os objetos da sala, ela colocava as flores em um vaso de vidro. Por um breve momento considerou pedir para usar o seu banheiro, mas quando ela avisou que estava pronta, ele acreditou piamente que o seu mal-estar iria passar.

O restaurante estava relativamente cheio. Antes de entregar a chave do carro ao manobrista quase sugeriu mudarem os planos, mas ela estava tão encantadora que sabia não haver perdão. Com um suspiro saiu do carro e foi até o lado do carona, abrindo a porta e oferecendo o braço.

Seus olhos analisavam sem vida as opções no menu, ela com um sorriso o pressionava levemente com um “está indeciso, amor?”, enquanto o maitre demonstrava impaciência pelo fato de ele estar a dez minutos na mesma página. Sem nem mesmo olhar o preço, escolheu o primeiro item e se arrependeu imediatamente ao ver a boca aberta de sua companheira.

A lagosta era quase tão vermelha quanto o vestido que ela usava, observava o bicho sem ter a mínima ideia de como a mesma era degustada. Ela sorriu gentilmente enquanto o maitre retirava com facilidade a carne de dentro da casca e depositava em seus pratos. Com desconfiança, ele cortou um pedaço pequeno e o mastigou lentamente, ao engolir, sentiu a parte central do seu corpo dar um giro de 360 graus e teve que apertar as mãos com força para nada acontecer.

Notando que ele não comia, ela questionou se ele não estava gostando e seu rosto ficou corado ao receber como resposta que ele estava inebriado pela presença dela e que o desejo que ele sentia impedia que os outros sentidos procurassem algo diferente de sua pele, seu cheiro ou gosto.

Mesmo encantada com a resposta, ela continuou o jantar, solicitando depois uma torta de amora como sobremesa ao qual tentou delicadamente colocar na boca do homem que via com desespero o pequeno garfo se aproximar.

Após uma hora e meia de aflição, finalmente saia do restaurante. O valor da conta foi quase tão doloroso quanto às milhares de facas espetadas na sua barriga. Sentou no carro pronto para dizer já é tarde quando ela colocou a mão sobre a sua coxa e apertando-a questionou onde ele a levaria agora.
Com um sorriso amarelo, se direcionou ao motel onde havia reservado a suíte. Durante o caminho, ela lhe seguiu fazendo carinhos, e acreditava piamente que os olhos vidrados do companheiro eram de pura excitação. Ele tentava respirar calmamente, enquanto serrava os lábios e tentava ignorar o gosto de amora que lhe vinha até a garganta.

Ao entrar no quarto, seus olhos involuntariamente procuraram pelo banheiro, notando o seu olhar, a mulher se aproximou e o puxou pela mão até o banheiro. Calmamente, ela ligou a banheira de hidromassagem, enquanto esta começava a encher, tirou-lhe as roupas e indicou que ele deveria se sentar na mesma.

Foi com alívio que ele a viu sair do banheiro e ir ao quarto ligar o som. Mas neste breve instante de relaxamento tudo desandou e quando ela retornou a cena era tão grotesca que nem com lobotomia ela iria esquecer.

A vergonha demorou uma hora para passar, quando ele finalmente foi até o quarto, encontrou-a dormindo no meio da enorme cama, seus olhos abriram levemente quando ele se aproximou e docemente ela perguntou se ele havia melhorado. Após um aceno positivo, ela se levantou e colocou os sapatos. 

No caminho ele relatou a história do sorvete de amora, ela lhe disse para não se preocupar, mas não o convidou para acompanha - lá até o apartamento. O homem ainda hoje acredita em 99% do tempo que ela lhe perdoou, mas uma pulga lhe surge atrás da orelha quando em um dos encontros mensais ela lhe oferece sorvete com cobertura de amora.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Olá! É bom ter você por aqui. Em breve o seu comentário será postado. Dúvidas e sugestões são sempre bem recebidos.