domingo, 24 de outubro de 2010

Capítulo Doze

Curitiba, Cristo Rei

– Como? – perguntou Lúcia, com o sorriso sumindo de seus lábios.

– Você não é a amiga das meninas do 1004?

– Sou.

– Eu sou Odete, do 1303. – disse estendendo a mão enrugada – As meninas costumam ir lá no meu apartamento aos domingos, para tomar um chá. E me falaram muito de você.

– Prazer dona Odete. – disse apertando a mão da doce senhora. – Sou Lúcia sim. Desculpe, como sou nova ando meio assustada.

– Não precisa se desculpar – a senhora balançou a cabeça – e pode me chamar de Odete. O seu jeito assustado me lembra uma antiga colega de trabalho – sorriu – onde você está indo?

– Na padaria.

Odete deu uma pequena gargalhada. Nesse momento o elevador parou no térreo.

– Que pão você vai comprar?

– Cacetinho – Lúcia estranhou a pergunta.

– As meninas resolveram que você ia passar vergonha como elas, então. – a senhora sorriu outra vez – eu também estou indo comprar pão. Aqui é panificadora que chamam, e não padaria. E você vai comprar pão francês e não cacetinho.

– Pão francês? Lúcia arqueou as sobrancelhas.
– Sim. Se você pedir cacetinho a moça irá olhar para a sua cara sem entender. Vamos lá, enquanto caminhamos, lhe explico algumas diferenças lingüísticas.
– A senh...Odete – Lúcia se corrigiu ao perceber o olhar da sua vizinha – tu estás acostumada com os gaúchos?

– Sim. Morei um tempo lá, antes de vir pra cá. Mas não se assuste, Curitiba é uma cidade muito boa de morar – Odete abriu o portão que dava acesso à rua – Vamos?


No domingo, Lúcia acompanhou suas amigas até o apartamento de Odete para o famoso chá. As meninas contaram tudo o que fizeram durante a semana, fizeram Lúcia relatar as suas últimas semanas em Porto Alegre e a viagem. E depois ouviram Odete contar as suas histórias, de quanto era vendedora, manicure e prostituta. Sem nenhuma vergonha, ela revelava episódio com clientes e situações constrangedoras. Ao anoitecer, retornaram para o apartamento com a boca doendo de tanto rir.


Na manhã seguinte, Clarissa acompanhava as outras duas se arrumarem. Sempre foi muito ágil, e ainda não havia ajustado um horário para acordar sem atrapalhar e nem ficar esperando muito por Soraya.

Lúcia também era demorada, e ainda não havia calçado os sapatos. Olhando no relógio, Clarissa percebeu que faltavam quinze minutos para o ônibus da empresa passar. E ela não podia se atrasar. Chegando lá, teria que organizar sua pasta para depois ir até a Ópera de Arame, local onde iriam montar a festa de aniversário da Ambiental.

– Com que sapato você vai, Lúcia?

– Você?! Já virou paranaense, Clarissa? – brincou Lúcia.

– Essa ai mudou de sotaque rapidinho. – disse Soraya, terminando de engolir o café.

– Trabalho na área de relações públicas. Não posso vir para o Paraná e tratar todos por “Tu” se eles usam “Você” – respondeu furiosa – e diga logo o sapato que TU irás usar Lúcia, pois temos menos de quinze minutos.

– Me traga o preto, já que você vai buscar.

Clarissa foi até o quarto de Lúcia caminhando furiosamente. Abriu a porta do guarda-roupa e pegou o sapato na prateleira mais baixa. Quando fechou a porta, seus olhos foram atraídos pela pedra em cima da penteadeira. Olhando as tonalidades que ela refletia em contato com a luz, Clarissa, sem pensar, pegou a pedra triangular e colocou em seu bolso. Lúcia não iria notar, à noite ela colocaria no lugar. E se a pedra desse o efeito que ela imaginava, iria pedir para Lúcia emprestar, afinal, era um evento para a empresa que todas faziam parte.

No ônibus, enquanto Soraya apresentava Lúcia aos demais colegas. Clarissa imaginava o efeito que a pedra faria como enfeite na mesa da presidência. Apesar de terem contratado uma empresa de decoração, ela tinha certeza que sua pró-atividade iria render muitos pontos.
Quanto o ônibus chegou na empresa, elas se separaram. Soraya levou Lúcia até o seu novo setor, onde seriam colegas e Clarissa correu para suas atividades.


– Você vai estranhar um pouco – começou Soraya – o pessoal aqui é um pouco mais fechado, mas depois que se acostumam contigo, são todos muito legais. – Abriu uma porta onde dizia Recursos Humanos. – Venha, a sala das psicólogas é por aqui.

Entraram em um local muito arrumado, com arranjos de flores e mesas organizadas. Um perfume indicava que, definitivamente, aquele era um local feminino.

– Bom dia Heloísa. – disse Soraya – trouxe a nossa nova colega.
– Seja bem-vinda, Lúcia – Heloísa se aproximou e deu dois beijos nas faces de Lúcia – Adriana me falou muito bem de você. Estamos com muitas expectativas em relação ao seu projeto.

– Eu também. – Sorriu Lúcia. – E muito ansiosa para coloca-lo em prática.

– Mas antes, você deve conhecer a nossa empresa. E as pessoas com quem você irá trabalhar. Soraya mostre a mesa de Lúcia e depois faça um pequeno tour. Na próxima segunda, você irá participar da integração, onde assistirá um curso que conta à história da organização, seus processos, enfim, o que a faz funcionar. – Explicou Heloísa. –Mas esse pequeno passeio com Soraya podem lhe dar uma visão de onde o seu projeto irá funcionar.

– Venha Lúcia. – chamou Soraya – sua mesa fica aqui no canto, perto da janela.

Despediram-se com um sorriso. Lúcia ficou impressionada com o espaço que lhe foi destinado.
– Todos têm duas mesas. Essa primeira aqui é a pessoal, você pode colocar fotos, bugigangas, enfim, qualquer coisa, a outra é para fazermos reuniões em par. Embaixo da sua mesa pessoal tem um pequeno armário com gavetas, coloque a sua bolsa na maior e vamos caminhar.


Clarissa olhou para o relógio quando o carro parou, dez horas, haviam chegado cravados por causa do seu colega Jorge.

– Bom dia, pessoal – disse Marcelo, responsável pela empresa de decoração – Tem um grupo de turistas dentro do teatro e vamos ter que aguardar um pouco, mas vamos caminhando.
Clarissa observou o lugar, o teatro era todo em ferro e vidro, cercado por árvores, havia também um lago com cisnes nadando. Uma ponte, com um piso de grade, dava acesso ao local, e ela lamentou ter vindo com um sapato de salto fino. Lembrou de Júnior comentado que a Ópera parecia uma aranha gigante saindo da floresta para atacar os habitantes da cidade. Mas para ela, era a perfeita harmonia da arquitetura com a natureza.

– Você já conhecia a Ópera, Clarissa? – perguntou seu colega

– Não. Mas é linda!

– Você não viu nada. A noite, iluminada, é maravilhosa. Aposto que vocês não tem nada parecido em Porto Alegre.
– Não precisamos de luzes para tornar nossos locais maravilhosos, meu caro Jorge – com um olhar raivoso, completou – o pôr-do-sol do Guaíba faz toda a cidade ser maravilhosa.
– Bairrista. – Jorge riu. – Enquanto você tenta caminhar na ponte, eu vou lá na frente com o Marcelo ver o que está acontecendo.

Clarissa viu Jorge chegar com largas passadas na porta de entrada do teatro, enquanto ela estava no início da ponte, tentando caminhar e se equilibrar. Um gato avermelhado passou se encostando a suas pernas, fazendo com que tropeçasse.
– Ai. – gritou, ao sentir uma mão lhe segurar.

– Cuidado. – disse um homem de cabelos compridos, muito lisos, e pele morena – Você não deveria carregar fardos que não são seus.

Clarissa não conseguiu nem agradecer, o homem já havia lhe virado as costas e se afastado. Com a respiração suspensa e os olhos arregalados, pronunciou em voz alta:

- Fardos? Que fardo estou carregando? E de quem? – Mas ninguém lhe respondeu.

Estava no meio da ponte quando Jorge chegou.

– Vamos ter que esperar mais um pouco, no máximo cinco minutos, e o pessoal sai de lá. Ai o teatro é só nosso. – Olhando para o lago completou – Enquanto isso, podemos olhar os habitantes da água, tem peixes, tartarugas...hei, olhe aquele cisne.
Clarissa olhou para a água marrom. Cansada de tentar caminhar na ponte observou os desenhos da grade de proteção, uma mistura de arcos e triângulos que se interligavam, sem mais pensar, utilizou os braços para impulsionar o corpo e se sentou nela. Enrolou os pés em uma das pernas do triângulo e ficou observando o público. Olhando para a frente, lembrou a frase do homem que havia lhe apoiado e imediatamente, a pedra de Lúcia veio-lhe a mente. Instintivamente, abriu a bolsa e a pegou.

Quando a encontraram na barraca de artigos místicos da Redenção, ela não havia lhe chamado a atenção. Renata que havia incomodado a todas, afirmando que Lúcia iria se apaixonar pela pedra. Agora, ela lhe distraía, atraindo o seu olhar para os reflexos que a luz do sol provocavam naquele objeto.

Nesse momento, um grupo de jovens saiu correndo do teatro. O primeiro do grupo, olhou para trás, verificando sua vantagem em relação aos outros quando se desequilibrou. Ao tentar se apoiar na grade, que também servia de corrimão, empurrou Clarissa.

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