domingo, 5 de dezembro de 2010

Capítulo Dezoito

Curitiba, Cristo Rei

– A... – Os olhos de Clarissa se arregalaram – A pedra...
– Sim. A pedra que vocês me deram de aniversário. Vou leva-la para a empresa. Para deixar como enfeite.
– Enfeite. – balbuciou Clarissa.
– Você está bem?
– Estou.Com licença.

Clarissa saiu atordoada, sem saber o que fazer, abriu a porta do apartamento e pegou o elevador, quando se deu conta, estava batendo na casa de Odete.
– Oi, minha querida. – Odete olhou Clarissa com mais atenção – O que houve?
– Você tem um tempo livre?
– Claro. Entre, menina.
Clarissa se dirigiu até o sofá cor-de-rosa e sentou-se.
– Eu precisava falar com alguém. Preciso que alguém me explique como ela saiu do lago.
– Calma. Quem saiu do lago? – ao notar os olhos vidrados de Clarissa, sentou-se aos seu lado e cobriu as mãos da garota com as suas. - Você não quer me conta a história desde o início?
– Hoje de manhã, eu peguei uma pedra em formato triangular do quarto da Lúcia. Foi um presente nosso, no último aniversário dela. – Clarissa encarou Odete. – Notei que ela tinha um reflexo bonito, amarelo escuro e rosa, quando atingida por uma luz mais forte. Pensei em usa-la de enfeite para um evento da empresa.
– Mas...
– Mas eu não pedi a Lúcia. Simplesmente a peguei e coloquei na minha bolsa. Quando cheguei na Ópera de Arame, um homem me parou, e disse que eu estava carregando um fardo que não era meu.
– Que homem é esse?
– Eu não sei. Só sei que não podíamos entrar no teatro, pois havia pessoas lá dentro. Eu não encontrei nenhum lugar para sentar e resolvi me equilibrar na grade da ponte mesmo.
– Você sentou na grade? Ficou maluca menina! E se você caísse?
– Mas foi o que aconteceu. Ou quase aconteceu. Um grupo de adolescentes apareceu correndo do nada e um esbarrou em mim. – Clarissa soltou as mãos, e começou a mexer no cabelo nervosamente. – A minha sorte é que os meus pés estavam enroscados nos desenhos da grade... e eu fiquei de ponta cabeça.
– Minha Nossa Senhora.
– Os meus colegas e outro homem que me ajudaram a levantar. Mas no momento em que quase cai, a pedra escorregou da minha mão e foi parar no lago.
– E você não sabe como contar para Lúcia? – Odente enxugou as lágrimas que haviam começado a surgir nas faces de Clarissa.
– É pior do que isso. – A voz de Clarissa soou desesperada. – Agora a pouco, quando entrei no quarto de Lucia para lhe contar, e implorar por desculpas... – Olhou para suas mãos que tremiam antes de voltar a encarar Odete. – A pedra estava nas mãos dela. Odete. A pedra voltou para o quarto da Lúcia.
Odete ficou pálida. Sem conseguir pronunciar uma palavra, levantou-se. Caminhou até a janela e olhou em direção ao Jardim Botânico iluminado pelas luzes da noite. Ficou muito tempo em silêncio, com as mãos juntas, grudadas ao peito. Quando voltou a falar com Clarissa, sua voz era rouca e séria.
– Há muito tempo atrás, eu ouvi falar de uma pedra retangular, com reflexos amarelos e rosas. – Lentamente, retornou para o sofá. – Conforme a sua dona, era uma pedra maldita, que levava a morte.
– Será que demos uma pedra amaldiçoada para Lúcia?
– O que não entendo, é que conforme Irina, essa pedra teria uns dez centímetros, mas pelo que você contou, ela é bem menor.
– A senhora disse Irina?
– Sim, Por que?
– É o mesmo nome da bisavó de Lúcia.
– É mesmo? Que coincidência. Você sabe o sobrenome dela?
– Não. Mas posso descobrir.
– Enquanto você não descobre, e eu penso melhor sobre o assunto, vamos tomar um chá. – Odete sorriu, voltando a sua postura natural e dando uma palmadinha na mão de Clarissa.

Lúcia terminou de arrumar as suas coisas e voltou para a sala. Encontrou Soraya debruçada sobre os livros.
– Soraya?
– Oi. Diga.
– O que a Clarissa tem?
– Não sei. Ela está estranha, né?
– Bem estranha. – Lúcia suspirou - Vou terminar de arrumar as minhas coisas e não te atrapalhar mais. Quando ela voltar, a gente conversa.
Mas quando Clarissa voltou, Lúcia também estava ocupada com os trabalhos da faculdade. Com dores nas costas, Clarissa tomou mais um remédio e foi para o seu quarto.

– Clarissa! Levanta. Você está atrasada. – Soraya gritou.
– Eu estou de atestado. Não enche.
– Então vamos nós. – Soraya levantou os ombros. – À noite conversamos. E descobrimos que bicho mordeu ela.

Chegaram na empresa e na sala, além dos colegas, havia uma criança, apresentada como o filho mais velho de Heloísa. Depois de cumprimentar todos, Lúcia começou a ajeitar a sua mesa. E a primeira peça que colocou foi à pedra triangular.
– Que legal. Posso ver?
– Rafael. Não incomode a Lúcia. – Heloísa repreendeu.
– Ele não está me incomodando – Lúcia respondeu, sorrindo para o menino – pode ver sim.
O menino levou a pedra até a janela e observou o reflexo admirado.
– O meu grupo de ciências vai apresentar hoje uma exposição sobre diferentes tipos de pedra. Você me empresta?
– Rafael!
– Não tem problema, Heloísa. Pode levar, Rafael. Eu a uso apenas para enfeite.
– Não se preocupe. Eu vou cuidar bem. E amanhã minha mãe traz de volta.
– Não tem pressa.
Heloísa saiu, levando Rafael para a escola. Nisso, uma moça de cabelos curtos e castanhos se aproximou.
– Olá. Vocês devem ser as novas colegas. Meu nome é Verônica e sou assistente social.
– Prazer, Verônica. Eu me chamo Soraya e está é a Lúcia.
– Oi, Verônica.
– Não pensem mal de mim. – ela olhou para a porta se certificando que ninguém estava ouvindo – mas não deixem nada de valor, sentimental ou financeiro, em suas mesas. Se o Rafael gosta, leva e nunca mais devolve.
– Sério? Lúcia sentiu-se entristecer ao pensar na pedra que havia ganhado de presente das amigas.
– Sério. A Heloísa não faz nada. Se você reclamar, ela ficará bastante aborrecida.
– Se você soubesse, não teria emprestado.
– Seria pior, Soraya. Uma estagiária fez isso, e Heloísa não renovou o contrato dela. Todos adoravam o trabalho que ela fazia em campo, mas por causa de uma lapiseira, ela foi mandada embora.
Soraya e Lúcia observaram as mesas pessoais das outras colegas e notaram que só tinham porcaria. Aproveitando a ausência de Heloísa, guardaram tudo o que tinham de valor.

Foi um dia bastante cansativo. Quando chegaram em casa, encontraram Clarissa olhando um filme. Soraya foi tomar banho e Lúcia aproveitou para pegar um suco e sentar ao lado de Clarissa.
– Que filme é esse? – Lúcia observou a cena em que a mulher pilotava um avião.
– Além da Eternidade.
– Sobre o que... – antes de completar a frase, o telefone de Lúcia tocou – Alô? Oi Heloísa. Meu Deus. E ele está bem? Na UTI? Mas como foi que aconteceu? Não se preocupe com isso, era apenas uma pedra que eu usava para decoração. Concentre todas as tuas atenções para o Rafael. Pode deixar, eu aviso o pessoal.
Quando desligou o telefone, Clarissa a olhava, muito pálida.
– O que houve? – perguntou com uma voz trêmula.
– O Rafael, filho da Heloísa, sofreu um acidente na feira de ciências do colégio. Um grupo próximo resolveu apresentar uma experiência que acabou explodindo tudo, não entendi direito. Sei apenas que o menino está queimado e na UTI.
– De que pedra você estava falando?
– Clarissa, tu parece um papel de tão branca. Está tudo bem?
– De que pedra vocês estavam falando? – Clarissa gritou.
– Hei. Que gritaria é essa? – Soraya estranhou ao sair do banheiro.
– Me diz, Lúcia. Que pedra é essa?
– É a minha pedra. A pedra que vocês me deram de aniversário.
– E o que o filho da Heloísa estava fazendo com ela?
– Vocês podem me dizer o que está acontecendo? – reclamou Soraya.
– A Heloísa me ligou. – Lúcia começou a explicar. - O Rafael sofreu um acidente na escola. Está na UTI. E ela me ligou para dizer que ele perdeu a minha pedra. E a Clarissa está surtando desde que ouviu isso.
– Por que ele estava com a tua pedra? – Clarissa perguntou, respirando fundo para se acalmar.
– Ele pediu emprestado a Lúcia, ia apresentar um trabalho sobre pedras na escola. – Soraya respondeu, observando o olhar furioso de Lúcia. – Mas que acidente ele teve?
– O grupo do lado fez uma experiência mal sucedida e provocou um incêndio. Tadinho. E a Heloísa preocupada, que ele havia perdido a minha pedra.
– Você já olhou no seu quarto?
– Que pergunta besta é essa, Clarissa? Enlouqueceu?
– Não. Você já entrou no seu quarto desde que chegou?
– Não. Por que?
– Olhe. – E sem dizer mais nada, Clarissa sentou-se novamente olhando para a televisão, como se prestasse a atenção no que estava assistindo.
Lúcia sentia um desejo enorme de bater em Clarissa. “Deve estar de TPM.” Pensou, enquanto se dirigia ao quarto, para buscar sua roupa e tomar um banho. Soraya foi para a cozinha, fazer um chá de cidreira, para acalmar os ânimos. Quando retirou a primeira xícara do armário, ouviu o grito de Lúcia, e a derrubou no chão, transformando-a em cacos.
– Meu Deus! O que houve Lúcia?
Lúcia voltou para a sala mais pálida que Clarissa.
– Ela achou a pedra.
E como num eco as palavras de Clarissa, Lúcia estendeu a mão direita e exibiu a pedra.

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