segunda-feira, 1 de abril de 2013

A Estrada



- Ai Meu Deus. - gritou o policial – Rápido. Preciso de ajuda aqui.
            No meio da terra remexida, uma espécie de caixa de madeira, onde a única entrada de ar era um tubo que a ligava a superfície. Ao abri-la, acharam uma criança desacordada. Em posição fetal, ela encontrava-se abraçada a uma espécie de livro.
            O pequeno corpo foi retirado do recipiente, longos e sujos cabelos castanhos foram sacudidos por um vento repentino. No rosto e nos braços, pequenos cortes. Nenhum som era emitido, mas o coração ainda batia.
            O policial foi atravessando o campo, acompanhado por outro, que carregava o livro. Todos os que viam, gritavam de alegria. Era uma luz depois de três dias de procura por uma família desaparecida. Caminhou devagar até chegar ao acampamento, indo direto para a maior barraca, onde estava o comandante e a parente que efetuou a queixa.
            Enquanto o policial colocava a menina na maca, a mulher se aproximou.
            - É a sua sobrinha? - perguntou o comandante.
            - Eu não a conheci, mas o cabelo é igual ao da minha irmã.
            Nesse momento o médico chegou e mexeu na menina, por um leve estante ela abriu os olhos que eram de um estranho tom de amarelo.
            - Eu não cheguei a conhecer o marido e os filhos dela – a mulher se explicou – quando ela se mudou, ainda era solteira, e pela distância, ficamos um bom tempo sem nos ver. Mas acredito que ela seja a minha sobrinha.
            - Comandante – falou o policial – também encontramos esse livro. Conforme o cabo Jorge é uma espécie de diário.
            - Vamos dar uma olhada nisso sargento. Enquanto isso prossiga as buscas. Quem sabe encontramos os demais.
            - Comandante? - perguntou a mulher – Posso ver?
            - Vamos ver juntos. Enquanto isso o doutor irá limpar e medicar a menina. Quanto tempo para ela acordar? Perguntou o comandante dirigindo-se ao médico
            - Não posso precisar. Pelo que conversei com o sargento, ela deve estar em estado profundo de choque. Vou chamar uma ambulância e leva-la para o hospital, com os exames, teremos uma noção mais exata do seu quadro.
            - Senhora – disse o comandante estendendo o diário – é da sua irmã?
            Ela leu a identificação na primeira página e com lágrimas nos olhos, apenas confirmou com a cabeça.
            O comandante foi até a porta da barraca e chamou mais três pessoas.
            - Cabo Joana. Faça um relatório conforme a senhora Ivone for lendo o diário, sim?
            - Sim senhor.
            A mulher começou a folhear o diário. Encontrou a descrição do planejamento da viagem, descobriu que sua irmã havia brigado com o marido na véspera e chegou no dia 15, dia em que ela havia entrado em contato pela última vez.
            Sete da manhã: As crianças estão animadas. Agora faltam apenas três dias para chegar na casa de meus pais. Enquanto tomam café, termino de colocar as coisas no carro. Não posso esquecer de ligar para a Ivone.
            Meio-dia: Gostaria de saber qual a razão do Pedro não deixar a Mariana comer em paz. Ela não gosta de pimentão. Mas não, ele incomoda a menina até ela dizer que odeia ele e quer outro pai.
            Três da tarde, estamos parados enquanto Pedro decide para onde seguir. A estrada permite que se siga reto ou faça uma curva. Não tem uma placa indicando o caminho. Por mim, eu dava a volta. Vou ligar para a Ivone e passar as nossas coordenadas. Se acontecer de nos perdermos, ela saberá nos encontrar.
            Dez da noite: Estou angustiada... na verdade, estou com medo. Pedro decidiu seguir reto e fomos parar numa estrada vazia, que parecia dar em lugar nenhum. As crianças dormiram de tédio, pois nem bicho havia. O carro começou a consumir combustível além do normal e o telefone simplesmente não funcionava, sempre fora de serviço. Foi com alegria que avistamos o posto de gasolina.
            Os atendentes eram estranhos, não pronunciaram uma palavra enquanto abasteciam. No lado do posto vimos uma estrada de chão batido. De lá era possível avistar uma cidade. Eram cinco horas da tarde e as crianças estavam com sede. Perguntei a Pedro se não podíamos ir à cidade procurar água gelada.
            A cidade é tão estranha quantos os atendentes. Não havia ninguém na rua. Todos pareciam nos espiar através da janela. Paramos no que parecia ser um armazém, pois não existe nada identificando as casas e prédios, nenhuma placa, muito menos números. Um senhor baixo, de cabelos brancos, óculos escuros e mãos muito magras veio nos atender. Deu uma espécie de sorriso, embora parecesse mais um rasgo naquela pele muito branca. Perguntamos se havia água para vender. Ele confirmou e nos entregou quatro garrafas. As crianças beberam e logo cuspiram. Pedro os xingou e eu experimentei. O gosto era simplesmente horrível. Mandei Pedro experimentar e ele cuspiu também. O velho deu uma espécie de grunido e comentou como eram poucas as pessoas acostumadas com o gosto de uma água naturalmente pura. Mas eu, como química, sabia que a única coisa que não havia era pureza ali.
            Ficamos duas horas dando voltas na cidade sem encontrar a estrada pela qual viemos. Andávamos, literalmente, em círculos. Anoiteceu e encontramos o velho novamente. Ele nos ofereceu dois quartos no que dizia ser uma pensão. Dispensamos o jantar e pegamos os alimentos que tínhamos no carro.
            Agora estou no quarto. Pedro no banheiro. É um lugar estranho, não tem luz e os canos são muito antigos. Escuto eles circularem por todo o prédio. Não consigo ligar para a Ivone.
            Escutei um barulho agora. Fui espiar na janela e tem várias pessoas na frente da pensão. Estou com medo.
            Agora que o Pedro desligou o chuveiro, escuto passos dentro da pensão e barulhos nas paredes. As crianças estão gritando... devem estar assustadas... vou buscá-las.
            É mais de meia-noite e os passos pararam. Não acredito no que está acontecendo, Mariana está grudada em mim enquanto Pedro busca uma saída alternativa. Estamos sozinhas no que parece ser uma despensa. Eu me sinto entorpecida. Nunca vou me perdoar por não ter salvado o meu filho. Mesmo sabendo que ele não tinha mais salvação.
            Devem ser umas três horas da manhã. Pedro está estranho. Notei que ele não me olha no olho desde que retornou de sua busca. Achei que ele tinha colocado a culpa pela morte do Rafael em mim. Mas existe mais alguma coisa. Os passos retornarão e estão cada vez mais fortes. Nos empurrando para o alto desse pequeno prédio, onde andamos, de joelhos, dentro da área de ventilação.
            Piedade. É tudo o que peço. Não sei o que fiz, mas sei que não merecia estar aqui. Entendi porque Pedro não me respondia mais. Não é mais ele. Quando o puxei e vi os seus olhos, descobri que não era ele. O empurrei. E ele caiu sobre uma das tampas de ventilação de ar. Quando chegou no chão se transformou em uma criatura semelhante a que estava sobre o Rafael. O barulho atraiu outras mais. Fechei a passagem com um dos pedaços de madeira que se encontravam soltos e puxando a Mariana, chegamos no ponto mais alto dessa construção. Achei, acima da ventilação, um pequeno espaço onde existe apenas um cano. Ao colocar o olho vi que ele dava para a rua. O material do telhado é frágil, de uma madeira já podre. Nesse momento me veio a lembrança de uma escada que ia do chão até o telhado do prédio.
            Peguei Mariana e coloquei ela ali. Se ela ficar deitada em posição fetal, sobra até um pouco de espaço. E o cano trás ar. Expliquei para ela que deve cuidar pelo cano quando o sol nascer. Pois nesse momento, as criaturas irão se esconder. Se eu não voltar, ela deverá bater com os pés até a madeira ceder. Quando dali conseguir sair, deve descer as escadas e ir em direção do sol. Sei que se ela seguir o sol, achará a estrada e alguém irá encontra-la. Quanto a mim, vou fechar a passagem de acesso ao lugar onde Mariana está e tentar resistir até o sol nascer.
            Junto com ela, fica esse diário. Se você está lendo é porque ela conseguiu sair sozinha e a achou na estrada. Por favor, entre em contado com a Ivone, minha irmã, o telefone é 9889-1331. Ao olhar para a Mariana ela saberá que é sua sobrinha, pois como nós, Mariana tem longos cabelos castanhos e olhos azuis. Obrigada.”

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