- Ai Meu Deus. - gritou o policial – Rápido. Preciso de ajuda aqui.
No meio da terra
remexida, uma espécie de caixa de madeira, onde a única entrada de ar era um
tubo que a ligava a superfície. Ao abri-la, acharam uma criança desacordada. Em
posição fetal, ela encontrava-se abraçada a uma espécie de livro.
O pequeno corpo foi
retirado do recipiente, longos e sujos cabelos castanhos foram sacudidos por um
vento repentino. No rosto e nos braços, pequenos cortes. Nenhum som era
emitido, mas o coração ainda batia.
O policial foi
atravessando o campo, acompanhado por outro, que carregava o livro. Todos os
que viam, gritavam de alegria. Era uma luz depois de três dias de procura por
uma família desaparecida. Caminhou devagar até chegar ao acampamento, indo
direto para a maior barraca, onde estava o comandante e a parente que efetuou a
queixa.
Enquanto o
policial colocava a menina na maca, a mulher se aproximou.
- É a sua
sobrinha? - perguntou o comandante.
- Eu não a
conheci, mas o cabelo é igual ao da minha irmã.
Nesse momento o médico
chegou e mexeu na menina, por um leve estante ela abriu os olhos que eram de um
estranho tom de amarelo.
- Eu não cheguei a
conhecer o marido e os filhos dela – a mulher se explicou – quando ela se
mudou, ainda era solteira, e pela distância, ficamos um bom tempo sem nos ver.
Mas acredito que ela seja a minha sobrinha.
- Comandante – falou o
policial – também encontramos esse livro. Conforme o cabo Jorge é uma espécie
de diário.
- Vamos dar uma olhada
nisso sargento. Enquanto isso prossiga as buscas. Quem sabe encontramos os
demais.
- Comandante? -
perguntou a mulher – Posso ver?
- Vamos ver juntos.
Enquanto isso o doutor irá limpar e medicar a menina. Quanto tempo para ela
acordar? Perguntou o comandante dirigindo-se ao médico
- Não posso precisar.
Pelo que conversei com o sargento, ela deve estar em estado profundo de choque.
Vou chamar uma ambulância e leva-la para o hospital, com os exames, teremos uma
noção mais exata do seu quadro.
- Senhora – disse o
comandante estendendo o diário – é da sua irmã?
Ela leu a identificação
na primeira página e com lágrimas nos olhos, apenas confirmou com a cabeça.
O comandante foi até a
porta da barraca e chamou mais três pessoas.
- Cabo Joana. Faça um
relatório conforme a senhora Ivone for lendo o diário, sim?
- Sim senhor.
A mulher começou a
folhear o diário. Encontrou a descrição do planejamento da viagem, descobriu
que sua irmã havia brigado com o marido na véspera e chegou no dia 15, dia em
que ela havia entrado em contato pela última vez.
“Sete da manhã: As
crianças estão animadas. Agora faltam apenas três dias para chegar na casa de
meus pais. Enquanto tomam café, termino de colocar as coisas no carro. Não
posso esquecer de ligar para a Ivone.
Meio-dia: Gostaria de
saber qual a razão do Pedro não deixar a Mariana comer em paz. Ela não gosta de
pimentão. Mas não, ele incomoda a menina até ela dizer que odeia ele e quer
outro pai.
Três da tarde, estamos
parados enquanto Pedro decide para onde seguir. A estrada permite que se siga
reto ou faça uma curva. Não tem uma placa indicando o caminho. Por mim, eu dava
a volta. Vou ligar para a Ivone e passar as nossas coordenadas. Se acontecer de
nos perdermos, ela saberá nos encontrar.
Dez da noite: Estou
angustiada... na verdade, estou com medo. Pedro decidiu seguir reto e fomos
parar numa estrada vazia, que parecia dar em lugar nenhum. As crianças dormiram
de tédio, pois nem bicho havia. O carro começou a consumir combustível além do
normal e o telefone simplesmente não funcionava, sempre fora de serviço. Foi
com alegria que avistamos o posto de gasolina.
Os atendentes eram
estranhos, não pronunciaram uma palavra enquanto abasteciam. No lado do posto
vimos uma estrada de chão batido. De lá era possível avistar uma cidade. Eram
cinco horas da tarde e as crianças estavam com sede. Perguntei a Pedro se não
podíamos ir à cidade procurar água gelada.
A cidade é tão estranha
quantos os atendentes. Não havia ninguém na rua. Todos pareciam nos espiar
através da janela. Paramos no que parecia ser um armazém, pois não existe nada
identificando as casas e prédios, nenhuma placa, muito menos números. Um senhor
baixo, de cabelos brancos, óculos escuros e mãos muito magras veio nos atender.
Deu uma espécie de sorriso, embora parecesse mais um rasgo naquela pele muito
branca. Perguntamos se havia água para vender. Ele confirmou e nos entregou
quatro garrafas. As crianças beberam e logo cuspiram. Pedro os xingou e eu
experimentei. O gosto era simplesmente horrível. Mandei Pedro experimentar e
ele cuspiu também. O velho deu uma espécie de grunido e comentou como eram
poucas as pessoas acostumadas com o gosto de uma água naturalmente pura. Mas
eu, como química, sabia que a única coisa que não havia era pureza ali.
Ficamos duas horas
dando voltas na cidade sem encontrar a estrada pela qual viemos. Andávamos,
literalmente, em círculos. Anoiteceu e encontramos o velho novamente. Ele nos
ofereceu dois quartos no que dizia ser uma pensão. Dispensamos o jantar e
pegamos os alimentos que tínhamos no carro.
Agora estou no quarto.
Pedro no banheiro. É um lugar estranho, não tem luz e os canos são muito
antigos. Escuto eles circularem por todo o prédio. Não consigo ligar para a
Ivone.
Escutei um barulho
agora. Fui espiar na janela e tem várias pessoas na frente da pensão. Estou com
medo.
Agora que o Pedro
desligou o chuveiro, escuto passos dentro da pensão e barulhos nas paredes. As
crianças estão gritando... devem estar assustadas... vou buscá-las.
É mais de meia-noite e
os passos pararam. Não acredito no que está acontecendo, Mariana está grudada
em mim enquanto Pedro busca uma saída alternativa. Estamos sozinhas no que
parece ser uma despensa. Eu me sinto entorpecida. Nunca vou me perdoar por não
ter salvado o meu filho. Mesmo sabendo que ele não tinha mais salvação.
Devem ser umas três
horas da manhã. Pedro está estranho. Notei que ele não me olha no olho desde
que retornou de sua busca. Achei que ele tinha colocado a culpa pela morte do
Rafael em mim. Mas existe mais alguma coisa. Os passos retornarão e estão cada
vez mais fortes. Nos empurrando para o alto desse pequeno prédio, onde andamos,
de joelhos, dentro da área de ventilação.
Piedade. É tudo o que
peço. Não sei o que fiz, mas sei que não merecia estar aqui. Entendi porque
Pedro não me respondia mais. Não é mais ele. Quando o puxei e vi os seus olhos,
descobri que não era ele. O empurrei. E ele caiu sobre uma das tampas de
ventilação de ar. Quando chegou no chão se transformou em uma criatura
semelhante a que estava sobre o Rafael. O barulho atraiu outras mais. Fechei a
passagem com um dos pedaços de madeira que se encontravam soltos e puxando a
Mariana, chegamos no ponto mais alto dessa construção. Achei, acima da
ventilação, um pequeno espaço onde existe apenas um cano. Ao colocar o olho vi
que ele dava para a rua. O material do telhado é frágil, de uma madeira já
podre. Nesse momento me veio a lembrança de uma escada que ia do chão até o
telhado do prédio.
Peguei Mariana e
coloquei ela ali. Se ela ficar deitada em posição fetal, sobra até um pouco de
espaço. E o cano trás ar. Expliquei para ela que deve cuidar pelo cano quando o
sol nascer. Pois nesse momento, as criaturas irão se esconder. Se eu não
voltar, ela deverá bater com os pés até a madeira ceder. Quando dali conseguir
sair, deve descer as escadas e ir em direção do sol. Sei que se ela seguir o
sol, achará a estrada e alguém irá encontra-la. Quanto a mim, vou fechar a
passagem de acesso ao lugar onde Mariana está e tentar resistir até o sol
nascer.
Junto com ela, fica esse
diário. Se você está lendo é porque ela conseguiu sair sozinha e a achou na
estrada. Por favor, entre em contado com a Ivone, minha irmã, o telefone é
9889-1331. Ao olhar para a Mariana ela saberá que é sua sobrinha, pois como
nós, Mariana tem longos cabelos castanhos e olhos azuis. Obrigada.”
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