terça-feira, 12 de março de 2013

Os Chinelos




- Eu não acredito. Você deixou a toalha molhada em cima da cama de novo? Faz sessenta anos que eu te peço para não fazer isso. Até parece que você não sabe que isso mofa as roupas de cama e a própria toalha. Sabe quantas horas isso ficou aqui? 24 horas. E com o frio que está fazendo, ela continua úmida. Eu te avisei que morar em uma casa na praia ia gerar esse tipo de problema. Pelo menos na capital eu tinha a Glórinha, que arrumava tudo e ia organizando o que você desorganizava.  Uma pena ela não querer vir com a gente, mas ela tinha os parentes dela. Falando em parentes, hoje é aniversário das gêmeas. Minhas sobrinhas-netas. Eu sei, você não quer que eu fale “nessa gente”. Só que estamos velhos, me sinto só. Nunca conseguimos ter filhos e você não quis nem pensar em adotar. Certo, nós dois sempre nos bastamos, que frescura é essa? você me pergunta. Mas você não acha que foi muito radical? Correu todos que estavam em nossa volta, primeiro os meus parentes - afirmando que eles só queriam o teu dinheiro -, depois os teus familiares – acusando-os de se aproximarem por desejarem cargos em suas empresas -, por último nossos amigos - que você classificou como mesquinhos, ignorantes e esnobes. No fim, você vendeu a empresa para estranhos, nos mudamos para esse fim de mundo e não somos convidados para evento nenhum, pois você se negou a conhecer os vizinhos. Não estou reclamando, apenas dizendo como me sinto. A viagem a Europa? É óbvio que a viagem a Europa foi maravilhosa. Foram os melhores dias da minha vida. Três meses indo de país em país. Nem a nossa lua-de-mel foi tão prazerosa. Não seja malicioso... embora eu ache o sexo hoje melhor do que quando era uma virgem de 17 anos. Eu sei que para ser virgem não se conhece o sexo, mas você entendeu e está fugindo do assunto. Com essa história de que todos se aproximam para tirar algo da gente, acabamos isolados. Quer alguns exemplos: ontem tive que correr de um lado para o outro para tomar as providências necessárias e, hoje de manhã, não havia ninguém para limpar as minhas lágrimas e o administrador teve que implorar para que eu soltasse a tua mão. Por que eu não soltava a tua mão? Ora, pois eu sabia que no momento que se seguiria, o seu rosto ia desaparecer dentro da caixa de madeira escura. Olha só, achei os teus chinelos favoritos. Você passou o final de semana resmungando que não os encontrava. Estavam bem aqui, embaixo da sua escrivaninha. E agora, é tudo o que me resta de você, e isso não me basta.

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