domingo, 20 de fevereiro de 2011

Capítulo Vinte e Cinco

Curitiba, Cristo Rei

– O gato é a minha avó? – Doca perguntou.
– É bem provável. – Odete ponderou. – Uma guardiã para os herdeiros.
– E você quase a atropelou. – Doca balançou a cabeça, antes de olhar para João.
– Mas acho que ela não morreria. – João foi até a mesa e pegou a pedra. – Imagino que esse seja o formato original – comentou analisando a pedra retangular.
– É sim. – Odete se aproximou de João. – Agora ela está exatamente como Irina a descreveu. Uma pedra retangular, de dez centímetros com reflexos amarelos e rosas.
– E agora? – Lúcia se levantou, massageando a cabeça, para espiar a pedra. Doca se aproximou também e apontou para a superfície.
– Olhem. Parece que tem algo escrito.
– Deixem-me ver. – Odete pediu. Ficou uns quinze minutos olhando a pedra, passava os dedos pela superfície, virava, colocava contra luz, passava as mãos novamente.
– São símbolos antigos. Minha mãe me mostrou algo parecido, mas não tenho idéia do que significam ou de onde vem.
– O que vamos fazer?
– Hoje, minha menina, vamos descansar.
– Para onde vamos, João?
– Para lugar nenhum. Vocês dois vão dormir na minha casa. Eu vou levar Lúcia pra casa e já volto para acomoda-los.
– Não é necessário. Já estou bem.
– Não discuta. Sintam-se à vontade, meninos. Em cinco minutos estou de volta.

– Eu estou bem. – Lúcia afirmou enquanto abria a porta do elevador.
– Você está confusa. Não adianta mentir.
– Acho que estou mais assustada do que confusa. – O elevador chegou no andar do apartamento de Lúcia. – Nunca estive numa situação como essa, mas sei que temos uma missão.
– Com certeza. Mas logo o destino irá ditar o caminho.
– O destino?
– Lúcia. – Odete colocou as mãos no rosto de Lúcia. – Nada aconteceu por acaso. Vocês foram levados a receberem essas pedras e a se encontrarem. Existe mais alguma coisa que não se encaixa, mas acredito que logo irão descobrir.
– Mas que preço iremos pagar? – Lúcia suspirou. – Fico pensando ... e se ignorássemos a pedra e levarmos a vida adiante? – Soltou-se das mãos de Odete e se apoiou na porta do apartamento. – Aproveitar que o destino nos aproximou.
– Lúcia, minha filha, não é tão simples. – a luz do corredor se apagou, e Odete foi até o interruptor para acende-las. Quando encarou Lúcia, seus olhos eram sérios e tristes. – Vocês não tem escolha. Ou vocês tentam solucionar o mistério ou a pedra irá matar vocês.

– Somos primos mesmo, João. – Doca estava sentado em um dos sofás de Odete, olhando com admiração para o homem na sua frente.
– Você tinha alguma dúvida?
– Claro. Tu é um cara bacana, usa roupas iradas. Eu sou um pobre coitado da favela.
– Doca, você não é e nunca será um pobre coitado. É um menino muito inteligente.
– Sou?
– Claro que é.
– João. – A voz de Doca ficou séria.
– Diga.
– O que vai acontecer agora?
– Não sei. – João caminhou até a janela, para que Doca não percebesse em seu rosto a preocupação que sentia. - Vamos ter que aguardar o próximo sinal.
– Sinal?
– Estamos sendo guiados, Doca. – Suspirou. – Desde o início. Nada foi coincidência. Estávamos ligados e por isso nos encontramos.
– Então ainda falta uma pessoa. – Doca concluiu.
– E quem você acha que falta? – João voltou a encarar o menino.
– A pessoa que vai decifrar o enigma. – Doca apontou com a mão, João acompanhou o movimento e viu a pedra.

– Eis a sua quarta pessoa, Doca. – João abriu o jornal na mesa para que todos vissem.

“Solicitamos aos descendentes de Irina e Arnaldo Ribas que entrem em contato com Vivian, em Belo Horizonte.”

– Aqui tem um número de telefone. – Doca apontou para a última linha do anúncio. – Nós vamos ligar?
– Vamos. – João levantou e foi até uma pequena mesa de canto que existia na sala – Odete?
– Claro. Não precisa nem pedir.
João discou os números com firmeza e aguardou o chamado.
– Alô. Sou João Galdos, descendente de Irina e Arnaldo. Sim, vi o anúncio no jornal. Sim, sei onde estão. Estão comigo. Claro. Vou tentar passagens para hoje mesmo. Pode deixar que eu aviso.
– Doca. Vá ao apartamento de Lúcia. Vamos viajar?
– Para onde?
– Para Belo Horizonte.

Doca saiu correndo. Odete franziu a testa e foi até a janela. Seu coração estava apertado. Gostaria de entender o que estava escrito, principalmente, de ir junto. Mas não podia. Observou João negociando a compra de três passagens. Quase abriu a boca e corrigi-o para quatro, mas não pertencia a família. Mesmo Irina, que lhe pedira tantos favores, como lhe passar relatórios de Josias, nunca permitiu que ela se tornasse íntima.
– Pronto. Hoje à tarde, iremos embarcar para Minas.
– Você tem certeza? – Odete perguntou. Sentindo o medo percorrer-lhe a espinha.
– Certeza do que, Odete?
– De que vocês devem ir? Algo me diz que o resultado desse encontro não será bom.
– Odete. O destino está nos levando. E te confesso, pra mim, ele só trouxe coisas boas. Pouco tempo atrás eu era apenas um playboy, não por opção, mas por pura solidão. Agora tenho família, um garoto fantástico para me fazer companhia e uma prima para me apaixonar. – Sorriu. – Apesar de tudo, não consigo sentir medo e fui o único que não a vi. Tenho certeza que conseguirei protege-los.
– Meu filho, que assim seja. Estarei esperando pela volta de vocês.
– João! – Doca entrou ofegante no apartamento. – A Lúcia foi trabalhar.
– Mas claro. Hoje é terça-feira. – Odete lembrou.
– Você sabe o endereço da empresa, Odete?
– Não. O pior é que não sei nem o nome. Mas tenho o celular de Clarissa.

Clarissa terminava de imprimir o relatório com os últimos dados para o evento, quando o telefone tocou. Deu um pulo na cadeira, e só relaxou quando viu o visor luminoso indicando o número da casa de Odete.
“Relaxa, Clarissa, Lembre-se das aulas de yoga. Respiração profunda e lenta” pensou antes de atender a ligação.
– Alô. É ela. João? Ah, sim, Claro. Ela está em outra sala, me dá um minuto.
Clarissa saiu da sala correndo e desceu um lance de escada. Entrou no setor de recursos humanos. O clima continuava pesado, alguns tinham ido para o hospital dar apoio a Heloísa. Outros aguardavam a confirmação do horário do enterro do menino.
– Lúcia. – Chamou. Quando essa a olhou, estendeu o aparelho. – O João quer falar contigo.
– Alô. Oi. Capaz. Deixe-me ver. – Lúcia levantou e foi até a mesa do café e pegou o jornal do dia – Página 5? – Virou as páginas. Clarissa acompanhou Lúcia e olhava as páginas curiosas, quando um anúncio lhe chamou a atenção. Segurou a mão da amiga e o indicou.
– O que está havendo? – Soraya entrou na sala e Clarissa colocou um dedo nos lábios indicando silêncio. Ela se aproximou e viu o que as duas estavam lendo.
– Vou perder o meu emprego por isso. – Sentiu o coração apertar. Com resignação, engoliu o soluço antes de continuar a falar. –Mas não temos solução. Vou te passar o endereço e você pode vir me buscar.
– Vamos para Belo Horizonte. – disse ao devolver o telefone para Clarissa. – Vou ter que sair.
– Não se preocupe. Todas iremos. O velório do guri será agora à tarde, como sabia que nenhuma de nós três tinha cabeça para ir, candidatei-nos a ir comprar as flores. Ninguém vai perceber.
– Não se preocupe. – Soraya a abraçou. – Quando você voltar, o teu emprego estará aqui, te esperando. – Deu um beijo na face direita de Lúcia. – Todos nós estaremos te esperando. Tu, o menino e o teu primo gostosão.
– É isso aí. – Clarissa falou, antes de abraçar as duas amigas.

Uma hora depois, as três entravam no carro de João. Pararam durante o trajeto, para largar Clarissa e Soraya em uma floricultura. As três se abraçaram novamente. Ninguém teve coragem de falar. Pela primeira vez, todos sentiram medo.
– Que Deus os proteja. – disse Clarissa.
– Que Deus os proteja. – repetiu Soraya.

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