domingo, 9 de janeiro de 2011

Capítulo Vinte e Um

Curitiba, Cristo Rei

– Como você sabia, Clarissa? – Soraya analisava a pedra, era realmente a mesma.
– Porque ela sempre volta. – de cabeça baixa, pegou o controle e desligou a televisão – Ontem eu tinha levado ela sem pedir emprestado para você, Lúcia. Achei que ficaria bem na mesa da presidência, no evento que vamos fazer na Ópera de Arame. Mas enquanto esperava, alguém me empurrou e eu fiquei pendurada na grade... e a pedra caiu no lago.
– Caiu em um lago? – Lúcia arregalou os olhos – Mas ela...
– Ela estava de volta. Cheguei em casa sem saber como te dizer que havia perdido a pedra, e quando entrei no teu quarto, lá estava ela, em sua mão.
– Essa pedra é mágica? – Soraya estendeu a mão, queria ver a pedra mais de perto.
– Não toque nela. – Clarissa segurou a mão de Soraya – esse é um fardo da Lúcia.
– Como assim, um fardo meu? Vocês me deram de presente.
– Não achamos por acaso. Ela estava predestinada a você. Mas acho que Odete pode te explicar melhor.
– Odete?
– Sim. – Clarissa fechou os olhos. – Soraya termine de se vestir. Nós três iremos visitar Odete.

– Boa noite, meninas. O que houve?
– Aconteceu de novo, Odete. – Clarissa foi direta.
– De novo? – O rosto de Odete ficou sério, fazendo com que ela abrisse toda a porta. – Vamos, entrem. Não fiquem ai paradas no corredor.
Todas entraram, Clarissa e Soraya sentaram-se no sofá maior, Lúcia foi até a janela e ficou observando o movimento na avenida.
– O que houve agora? – Odete perguntou olhando diretamente para Clarissa.
– Lúcia emprestou a pedra para o filho de uma colega. O menino agora está em um hospital e a mãe ligou dizendo que haviam perdido a dita cuja.
– Mas?
– Mas ela estava no meu quarto. – Lúcia mostrou a pedra.
– Ai está ela. Deixe-me coloca-la na luz. – Lúcia entregou a pedra para Odete que colocou contra a luz – aqui estão eles... os reflexos amarelos e rosas que Irina tanto falava.
– Irina...o mesmo nome da minha bisavó.
– Seu avô se chamava Sílvio e foi casado com uma empregada?
– Sim.
– Então é a mesma Irina.
– Você conheceu a minha bisavó?
– Sim. Sente-se Lúcia, a história é longa. – com um suspiro, Odete também se sentou. – Quando eu era menina, trabalhava auxiliando em um prostíbulo de Porto Alegre, ajudava as garotas a trocarem de roupa, alcançava toalhas e jogos de lençóis limpos, essas coisas. Uma delas se chamava Irina. Havia chegado de Minas Gerais e estava bem perdida, quando Jorge a encontrou e a trouxe para o “Só Prazeres”.
– Minha bisavó era uma prostituta?
– Era. Uma das mais procuradas. Seus cabelos vermelhos e seus olhos verdes, junto com o nome, lhe faziam passar por uma legítima imigrante russa.
– Sempre achei que ela era russa.
– Meio russa. A mãe dela realmente era descendente de russos, mas o pai era um rico empresário de Belo Horizonte.
– Mas como a filha de um rico empresário vira prostituta?
– Por que ela era filha da empregada, assim como a sua mãe. Só que nunca foi reconhecida. Quando os pais morreram, em um acidente, não houve herança. Na verdade ela apenas sobreviveu porque uma tia veio busca-la e a levou para São Paulo.
– Mas você disse que ela veio de Minas... ela voltou pra lá?
– Sim. Sem saber, ela começou a namorar o seu sobrinho. Quando o apresentou a sua tia, essa reconheceu a família e lhe contou a sua história. Ela acabou casando com ele, por vingança, mas a mãe dele não gostou. E lhe lançou um feitiço.
– Um feitiço? Como essa pedra?
– Pelo que pude entender, essa mesma pedra. Só que maior. Irina se casou com Carlos para recuperar a própria herança, mas recebeu uma pedra retangular, de reflexos amarelados e rosas – Odete colocou a pedra contra a luz de forma que as garotas pudessem ver os mesmos reflexos – e essa pedra fez algo que quase matou Irina. Mas conseguiu matar o filho que estava em seu ventre.
– Nossa. Estou arrepiada. – Soraya mostrou o braço.
– E ela nunca amou o marido? – Lúcia se surpreendeu com a frieza da avó.
– Chegou a amar. Mas acabou dando a pedra a ele. E ele morreu, sem saber, por ela. No enterro, Irina devolveu a pedra a Elvira, sua sogra, e veio para Porto Alegre.
– E agora a pedra está comigo.
– Sim, a pedra voltou para as mãos de uma descendente de Irina. Como não acredito em coincidências, os outros descendentes também devem ter a sua pedra.
– Você conhece os meus outros parentes?
– Sim. Acompanhei a vida de Irina. E por isso acredito que você não conseguirá se livrar dessa pedra.
– Ela teve contato com essa pedra outras vezes?
– Teve, antes de morrer. Assim como a sua avó.
– Como você sabe?
– O pequeno João, seu primo, me contou quando estive no enterro. Ele disse que a mãe havia achado uma pedra estranha no quarto que era do tio Sílvio, e a avó havia brigado com ela por causa disso. Sua bisavó morreu ao cair de uma escada, o que tudo indica, com a pedra na mão.
– Então a maldição da pedra já se realizou?
– Creio que não. Essa pedra não é coisa de uma bruxaria qualquer. É arte antiga.
– Desculpe, Odete – Soraya torcia as mãos nervosamente – mas como você sabe tudo isso?
– Sou descendente de ciganos. Minha mãe me ensinou muita coisa sobre destino, leitura de mãos e artes antigas. Olhe essa pedra – Odete a levou até as meninas – existem marcas em sua superfície. Observem: pequenos símbolos.
– E o que eles significam?
– Não sei. Posso dizer que é uma das línguas mais antigas. Creio que trazida ainda pelos escravos. Se eu tivesse a peça completa, talvez até tivesse alguma idéia...
– Bom... podíamos tentar entrar em contatos com os outros parentes. Quem sabe eles também tem a pedra? – Clarissa caminhou até a janela e segurou as mãos de Lúcia.
– Para isso, precisamos descobrir onde eles estão. – Soraya também se levantou.
– Eu sei onde eles estão. – Odete declarou.
– Sabe? – os olhos de Lúcia brilharam de esperança.
– Sim...no eixo Rio-São Paulo. Só precisamos descobrir o endereço.
– E como fazemos isso? – Soraya voltou a se sentar.
– Bom...- o interfone de Odete toca – Deixem-me ver, já lhes digo a minha idéia. Sim? – seus olhos arregalaram e as meninas começaram a trocar olhares, especulando o que poderia ter acontecido. – Quem? Galdos? Claro. Pode mandar eles subirem.

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