sábado, 1 de janeiro de 2011

Capítulo Vinte

Belo Horizonte, Cidade Jardim

Entraram em silêncio no pátio da casa, apenas o ronco do motor quebrava a monotonia da mansão. Vivian se sentia exausta, tendo a mesma sensação de quando levava surras de sua mãe.
– Você irá ler o livro hoje? – Antônio havia desligado o carro – Ou vai esperar até amanhã?
– Vou esperar. Minha cabeça está explodindo, assim como as minhas pernas, meus braços... não tenho mais idade pra isso.
– Nem eu. Vamos descansar. – Antônio abriu a porta do carro, fez a volta e ajudou Vivian sair.
Vivian caminhou lentamente, dispensou o banho e a camisola. Deitou-se e seus olhos fecharam. Sem sonhos, nem encontros. Depois de semanas, finalmente tinha uma noite tranqüila.

– Então – Antônio colocou a faca que havia usado sobre a mesa – o que acha que vamos encontrar?
– Não sei. – Vivian passou a mão pela capa do livro antes de segurar a xícara de café – Imagino que descobriremos a razão de madame Elvira ser assim.
– Não achei que existissem razões para uma pessoa ser má.
– Também não acredito. Mas muitos justificam seus atos por determinados fatos. Por exemplo, quantos bandidos são defendidos pelos direitos humanos? Tudo por que tiveram uma infância pobre, o pai assassinado ou uma mãe puta?
– Falando palavrão, Vivian? – Antônio caiu na gargalhada.
– Pode rir. Mas no caso de madame Elvira, ela não teve nada disso. Nasceu em família rica, casou-se com um marido rico. Tinha tudo para ser feliz.
– O que comprova que dinheiro não trás felicidade.
– O que comprova que a maldade nasce com a pessoa.

Vivian lavou a louça do café, enquanto Antônio arrumava a casa. Com tudo terminado, ambos saíram e se dirigiram a mansão. Abriram as janelas e foram até o escritório. Escolheram duas poltronas próximas e sentaram-se.
– Preparado? – Antônio fez que sim com a cabeça – então vamos lá. – Vivian colocou o livro no colo , abriu a capa com cuidado e começou a folhear as páginas. Ficou alguns segundos calada, antes de revelar o conteúdo com uma voz baixa e suave
“Estou realmente ruim da gripe. Minha mãe me colocou na cozinha, junto com Josefa. Estão todos preocupados, porque já faz semanas que estou assim. Josefa abriu um livro, de capa amarela, muito velho e folheou algumas páginas. Depois foi até o pátio e voltou com várias folhas e seguindo algumas instruções, ela fez um chá.
Dormi a tarde e parte da noite. Acordei sem gripe. Levantei e fui até a cozinha, procurando alguma coisa para comer. Sem querer, achei o livro de Josefa. Não dá para entender o que está escrito, está cheio de símbolos. Ouvi estranhos barulhos no quarto dela e fui até lá. Ao abrir a porta, me deparei com o meu pai deitado sobre ela. Ela me viu.”
– Antônio. Josefa era nossa avó. – Exclamou, desviando os olhos do livro para o rosto surpreso de Antônio.
– E ela dormia com o patrão?
– Imagino que não era por vontade própria. Ela era uma escrava quando foi trabalhar na família de madame Elvira. E mamãe sempre disse que ela não teve outra opção, além de ficar, pois a mãe de madame Elvira implorou por isso.
– Continue, Vivian. Acho que teremos mais surpresas.
“Josefa veio conversar comigo, envergonhada, disse para ela não se preocupar, que apesar de só ter doze anos, sei que a minha mãe não gosta que o meu pai lhe toque, e Josefa só está ajudando-a. Aproveitei o seu momento de fraqueza, e pedi para me falar sobre o livro. É um livro de bruxaria, escrito em uma antiga língua pagã, que a mãe de Josefa lhe ensinou. Como sou uma boa menina, Josefa também irá me ensinar.”
“Josefa está grávida, do meu pai.Perguntei-lhe por que não utiliza o livro. Ela disse que não pode, que a magia utilizada para o mal, provoca danos irreparáveis no organismo. Além disso, ela não vai dar fim a única coisa que realmente é dela.”

Vivian levantou a cabeça e começou a chorar.
– O que houve?
– Minha mãe! – sua voz tremeu - Minha mãe é meia irmã de madame Elvira.
– Você está brincando?
– Não. Está aqui.

“É uma menina. Josefa colocou o nome de Catarina. Meu pai nem tomou conhecimento. Agora ele anda com a moça que arruma os quartos. Mesmo assim, não gosto de saber que tenho uma irmã bastarda. Roubei o livro de Josefa e tentei fazer uma das magias para voltar a ser feliz, mas além de não ter conhecimento, senti uma dor muito grande nas mãos enquanto escrevia a maldição. A criança chegou a sentir dor, ouvi o seu choro desesperado. Assim como ouvi as palavras estranhas que saiam da boca de Josefa.”
“Devolvi o livro sem que Josefa percebesse. E me comporto como se adorasse sua filha. Preciso aprender mais, mas ela está desconfiada de mim. Sei que ela colocou um feitiço de proteção na menina, seus olhos me acusam.“
“Josefa me perdoou. E está me ajudando com uma porção do amor. Sim, encontrei o marido ideal. Abaixo a receita”.

Conforme Vivian virava as páginas, acompanhava a vida da adolescente Elvira e de sua avó. Os relatos diziam que Elvira havia aprendido a suportar a dor e usar a magia negra. Estava tudo ali, o casamento, a lua-de-mel, o ciúme doentio de Adriano, o afastamento de casa e a sua gravidez.
– Meu Deus. Antônio escute essa: “...eu não tinha conhecimento, mas após a morte de minha mãe, meu pai assumiu, dentro de casa, um romance com a arrumadeira, que agora lhe deu outra filha, com o nome de Irina. Essa bastarda, que ele insiste que eu chame de irmã, será um pouco mais nova que o meu filho. Mas o pior é que, por ela ser branca, e ele se achar apaixonado pela empregada, irá fazer um novo testamento.”
– Irina era meia-irmã de Elvira também?
– Pelo jeito sim. Isso explicaria todo o ódio de madame Elvira pela nora...
– Mas acho que Irina nunca imaginou estar se casando com o sobrinho...ou ela sabia?
– Não sei.
– Irina não recebeu nada do pai de Elvira?
– Não... deixe-me ler. Madame Elvira lançou uma maldição, o pai dela e a empregada morreram. A criança sumiu. – Vivian levantou as sobrancelhas – Madame Elvira não tinha muita sorte em lançar feitiços em crianças. – Virou mais algumas páginas. – Minha avó ensinou o feitiço do esquecimento a ela... e ela aplicou no advogado, sumindo com o testamento.

Vivian só almoçou porque Antônio foi providenciar comida. Passou o dia e parte da noite lendo. Quando terminou, estava exausta. E apavorada. Antônio dormia em uma poltrona. Apesar de terem limpado todas as maldições, ainda sentia a presença de madame Elvira na casa. Imaginava até o local onde ela se encontrava. Em seu antigo escritório, no térreo, onde vários quadros retratavam os seus antepassados e pesadas cortinas marrons impediam que se vissem as janelas.
Levantou e sacudiu Antônio de leve, pelo ombro.
– Vamos dormir?
– Hã...ah, sim... – esfregando os olhos, ele se levantou meio torto – Você já terminou?
– Sim.
– E?
– Madame Elvira estava completamente louca no final de sua vida, e pior, ela sabia que iria morrer ao fazer todas as maldições.
– Uma espécie de suicídio?
– Não. Ela achava que nunca teria paz enquanto houvessem bastardos que compartilhassem o seu sangue.
– Por isso a maldição nos descendentes de Irina?
– Não só neles, Antônio. Eu também não estou aqui por acaso. Também sou uma bastarda, compartilhando o sangue da família de madame Elvira.
– O que você quer dizer?
– Madame Elvira trouxe a minha mãe, para ser sua empregada, para evitar que ela casasse e engravidasse. Não contava que a minha mãe conhecesse o meu pai em uma ida ao mercado. Assim como não contava que ela também soubesse combater as maldições. – suspirou passando as mãos na capa preta do livro – Ela tentou fazer com que mamãe abortasse...assim como que eu sofresse acidentes. Mas mamãe sempre me protegeu. E me preparou.
– Preparou?
– Sim, preparou. Ela me ensinou tudo o que era necessário para desfazer as maldições. Para que, tanto os nossos descendentes, como os de Irina, possam viver suas vidas livres de madame Elvira.
– E qual o próximo passo?
– Achar os descendentes e a pedra. Conforme esse livro, a paz de espírito de todos, incluindo a maldita madame Elvira, dependem do que está escrito lá.
– Como vamos encontra-los?
– Através de jornais. Amanhã, vamos colocar um anúncio em todos os principais jornais do Brasil. Com certeza, iremos acha-los.
– E a pedra?
– Algo me diz que a pedra estará com eles.
– Vivian... se não conseguirmos encontra-los?
– Todos iremos morrer.

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